segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Música & marketing

Texto publicado na "Folha de S.Paulo" de 5/janeiro/2009, Caderno "The New York Times"

Nova revolução pop: marketing de produtos
por Jon Pareles — Ensaio, "The New York Times"

Em “Creator”, a faixa mais crua do álbum de estréia e auto-intitulado de Santogold, a cantora Santi White gaba-se: “Sou uma criadora/ A emoção é fazer acontecer/ As regras que eu rompo me colocam no radar”.

É um manifesto boêmio franco, ousado e atraente, ou pelo menos era para mim, até que apareceu em um comercial de cerveja. E em outro de gel para cabelo.

Acontece que a rebelde rompedora de regras é apenas mais uma marqueteira bem-remunerada. A revista “Billboard” relatou que três quartos do excelente álbum de Santogold já foram licenciados para comerciais, videogames e trilhas sonoras, e a própria White aparece em uma publicidade, cantando para tênis. Ela claramente decidiu que ligar sua música a outras agendas mais mercenárias é seu caminho mais direto para aparecer.

Eu sei que preciso me acostumar. Afinal, essa é a realidade do setor musical do século 21. Vender discos para consumidores como obras de arte caras a ser apreciadas por si sós é um empreendimento reduzido hoje, quando há cópias livres à vontade na web.

Enquanto as pessoas ainda amam a música o suficiente para encontrá-la, colecioná-la e discuti-la, muitas não vêem motivo para pagar por música. A solução prática que surge é deixar que a música venda algo concreto: shows, camisetas, anúncios nos sites ou marcas.

Os músicos precisam comer e querem ser ouvidos, mesmo que isso signifique acompanhar um produto ou o videogame. Por que esperar o pinga-pinga dos royalties dos discos se as taxas de licenciamento são pagas adiantadas e de uma vez? É uma parte do sistema de regulamentação dos direitos autorais que não foi destruída pela distribuição digital, e há pouca resistência de qualquer lado.

Música a serviço de marqueteiros?

A pergunta é: o que acontece com a música em si quando a construção de uma carreira deixa de ser gravar canções para ouvintes comuns e passa a ser fazer música para o uso de marqueteiros? Isso cria pressão, sutil mas real, para que a música recue: adotar o elemento de vazio que torna uma trilha sonora tão discreta, editar uma letra para ser menos específica ou particular, deixar lacunas para a imagem ou a mensagem a que a música agora serve. Talvez a canção ainda cause a primeira impressão essencial, mas não será tão memorável ou independente.

A música sempre teve funções acessórias: uma trilha sonora, um jingle, uma declaração de marca, um chamado de acasalamento. Mas para os artistas que têm um perfil público, em oposição a compositores contratados, a questão era chamar atenção para a música em si. Depois que eram notados, os astros podiam contar suas histórias de carreira e música, e as canções tinham a oportunidade de criar suas próprias esferas. Se um número suficiente de pessoas gostasse das músicas, a recompensa viria da venda de discos e das execuções no rádio.

Quando Moby licenciou todas as canções de seu álbum “Play” de 1999 para anúncios e trilhas sonoras, a medida foi surpreendente e de mau gosto, mas gerou vendas do CD; um álbum que reunia amostras de blues e gospel em batidas para dançar conseguiu vender mais de um milhão de cópias.

Hoje os discos de platina são muito mais raros. Com exceção dos grandes nomes —como AC/DC, que deu à Wal-Mart exclusividade nas vendas de seu muito esperado disco “Black Ice” e vendeu mais de um milhão de cópias em duas semanas—, um contrato de marketing é provavelmente sua própria recompensa, mais que um detonador de carreiras.

Sem querer parecer insensíveis, os músicos insistem que a exposição do licenciamento faz crescer o interesse que costuma recompensar em vendas e/ou lealdade. Escutar uma canção como “Forever”, de Chris Brown, no rádio ou em um comercial tem um componente psicológico: outra pessoa já a aprovou. Os músicos que não querem esperar uma execução em massa imediata nas rádios colocam sua música no ar vendendo-a para publicitários. Isso pode ajudar a construir carreiras, como fizeram os anúncios da Apple por Feist e pela grande beneficiária deste ano, Yael Naim, cuja “New Soul” apresentou o MacBook Air.

Os consumidores reforçam os licenciadores de um modo quase perverso: pagam pela música como ringtone, mas não como uma canção em alta fidelidade.

Talvez seja século 20 demais esperar que a música fique isenta de multitarefas, ou que a constante insinuação do marketing em cada momento de nossa consciência pare quando uma canção começa. Mas por enquanto experimente isto: escolha uma canção sem ligações comerciais. Aumente o som. Feche os olhos. E escute.

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