domingo, 11 de janeiro de 2009

Em livro, as capas do jazz

Texto publicado no jornal "O Estado de S.Paulo" de 11/janeiro/2009, "Caderno2"

O som que era encapado para brilhar
por Jotabê Medeiros


Livro Jazz Covers, organizado pelo colecionador português Joaquim Paulo, reconta história do gênero do ponto de vista gráfico


Lançado no final do ano pela prestigiosa editora alemã Taschen, o livro Jazz Covers é um fenômeno. Esgotou rapidamente a primeira edição e tem edição importada em espanhol à venda no Brasil (Livraria Cultura, R$ 193).

Organizado pelo produtor, editor radialista e colecionador de discos português Joaquim Paulo, o livro tem 496 páginas e reproduz 696 capas de álbuns de jazz dos anos 40 aos 90.

O ponto de partida da pesquisa foi a própria coleção pessoal de Joaquim Paulo, fundador da editora Mad About Records, e que possui cerca de 25 mil discos.

Além da seleção, o produtor — que vive pelo mundo garimpando preciosidades da música — ouviu testemunhos de personagens-chave da produção musical jazzística, como Rudy Van Gelder (engenheiro de som que gravou álbuns para a Blue Note e para a Prestige), o produtor e trompetista Creed Taylor e o designer Bob Ciano. Joaquim apresentou o projeto ao editor Benedict Taschen, que abraçou o projeto e viabilizou a edição.

Há discos de todo o mundo no volume (Argentina, Brasil, Polônia, Romênia e Reino Unido), muitos jamais editados em CD.

Na galeria de discos escolhidos estão álbuns de mitos como Miles Davis, Chet Baker, Thelonious Monk, John Coltrane, Ornette Coleman, Count Basie, e ainda Claus Ogerman, Vince Guaraldi, Moacir Santos e Maurice Vander.

Para fechar, DJs escolhem os seus Top 10, gente como Gilles Peterson, Ed Motta, King Britt ou Rainer Trüby. Joaquim Paulo concedeu entrevista ao Estado.

A sua intenção com esse livro é ressaltar o trabalho gráfico das capas ou há também orientação musical?

Tive esta ideia do livro há muitos, muitos anos. Pela minha formação, incompleta, na área das artes, por desde sempre me interessar por design, eu olho para um disco de vinil também como objeto de arte.

O jazz desde sempre foi uma área musical que produziu capas lindíssimas e esteve sempre ligado a grandes ilustradores como o Jim Flora, grandes designers como o Reid Miles ou fotógrafos como o Francis Wolff, Chuck Stewart ou o grande William Claxton.

O jazz sempre teve essa imagem de grande glamour, estilo, a pose "cool". Portanto, desde sempre que pego num vinil de jazz tenho o prazer físico e mental de olhar para a capa, sentir o cheiro, ler as liner-notes, ver quem desenhou ou fotografou e procurar mais. O jazz em vinil, para mim, é um objeto de arte.

Depois, há o meu amor ao jazz. É a minha música. A primeira coisa que faço quando chego em casa é pegar um disco e colocar no meu toca-discos. O meu iPod é o meu melhor amigo. A música está sempre na minha vida.

Com este livro procurei prestar uma homenagem a quem construiu o jazz, musical e graficamente. Este é um projeto muito pessoal. São as minhas escolhas. Não pretendi fazer uma enciclopédia ou algo do gênero. Tive a grande felicidade de a Taschen me ter dado essa liberdade.
A seu ver, o que revelam as capas dos discos de jazz nesses 70 anos que o sr. abarca? Uma espécie de "história social do jazz"?

Sem dúvida. Grande parte das capas que incluí dos anos 70 são de editoras underground, na sua maior parte altamente politizadas ligadas a movimentos cívicos.

Havia um grande relação com os tempos conturbados dos anos 70, principalmente nos Estados Unidos.

Algumas editoras como a Strata East, a Black Jazz estavam intimamente ligadas à contracultura americana, e em alguns dos casos com ligações diretas a movimentos como os Black Panthers. Graficamente esses discos são também de uma grande força e impacto visual.

Pessoalmente, qual é a sua capa preferida, e por quê?

A minha capa e disco preferido é o A Love Supreme do John Coltrane. A música é de uma espiritualidade quase religiosa. É um disco que pacifica, que liberta. E acho que a capa é a captação certeira do estado de espírito do John Coltrane nessa fase da sua vida.

Depois de ter passado alguns anos a combater demônios internos, problemas com drogas, ele finalmente estava em paz. Gosto do jeito como a forma capta o olhar melancólico e profundo do John Coltrane. É uma capa de disco comovente.

Os comentários ao estilo verbete que o sr. faz nas páginas do livro muitas vezes traem uma visão crítica. Tem exercido o ofício de crítico de jazz?

Nunca quis fazer crítica de jazz com este livro. Nunca fiz. A minha atividade profissional foi ligada ao rádio durante 22 anos. Agora estou noutro percurso profissional através da minha editora Mad About Records especializada em reedições de jazz, soul-funk e música brasileira. Enfim, minhas grandes paixões musicais.

Como tem sido a recepção a esse livro nos Estados Unidos, berço do jazz?

Excelente. Recebi algumas críticas muito carinhosas de gente que respeito muito, como o Michael Cuscuna ou Ashley Khan. E a própria vendagem do livro é um indicativo da boa acolhida.

Como um admirador do gênero, o sr. poderia me dizer o que acha do jazz que se faz hoje? Acha que o gênero está estagnado?

De forma alguma. Sou atento ao que se produz hoje em dia.

Não é fácil ser músico de jazz nos dias de hoje, mas isso me parece não ser uma limitação nem impedimento de inovação. Aliás, acredito que a dificuldade é sempre motivadora para as grandes revoluções.

Mesmo em Portugal , um país pequeno e com um mercado muito difícil, existem editoras, como por exemplo a Clean Feed, que faz um trabalho notável. Abriu-se ao mundo e hoje é uma das editoras de referência a nível mundial.

Do novo jazz, basta ouvir músicos como Ken Vandermark para percebermos como está viva esta música.

O sr. disse, ao jornal português Público, que boa parte dessas capas não teve a participação dos músicos no conceito e na confecção, e que muitas vezes eram boladas por estagiários de agência de publicidade. É verdade?
O que eu contei ao jornal Público foi que perdi muito tempo a tentar descobrir quem desenhava as capas da editora Impulse!, uma das minhas preferidas, musical e graficamente. Todos os discos eram assinados com Robert Flynn/Viceroi. Nunca descobri quem era. Nem o próprio fundador da Impulse!, o senhor Creed Taylor, fazia ideia de quem era.

Mais tarde, confirmaram-me que Viceroi era uma companhia de design e as capas da Impulse! eram entregues a quem estivesse mais disponível na empresa. O que é estranho, pois a Impulse! é uma editora com uma linha gráfica muito marcada, muito personalizada.

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