segunda-feira, 19 de outubro de 2009

CD: a embalagem (ainda) conta

Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 19/outubro/2009, no caderno "The New York Times"

Pacote reúne épicos da música
por Daniel J. Wakin

As caixas de CDs de música erudita têm chovido sobre o mercado nos últimos anos.

A Brilliant Classics lançou coleções maciças com as obras completas de Mozart (170 CDs) e Bach (155 CDs). Comemorando o bicentenário da morte de Haydn, a Naxos vai lançar grandes pedaços de sua obra neste ano: todos seus quartetos de corda, todas as sinfonias, as sonatas completas para piano, os concertos e as missas.

A caixa completa de obras gravadas pelo violoncelista Yo Yo Ma, a ser lançada neste mês, chega a meros 90 CDs. Mas chama a atenção por outros motivos. Primeiro, porque Ma ainda está vivo e dispensa recordações póstumas. Depois, porque embora a maior parte da coleção seja remasterizada, muitos dos CDs ainda estão disponíveis nas lojas. A embalagem luxuosa, completa com livreto de 312 páginas em capa dura, interior forrado em veludo e retrato clicado por Annie Leibovitz, destoa do estilo simples do próprio instrumentista. Mas o que mais se destaca é o preço do conjunto: US$ 789. Em comparação, uma caixa de CDs dos Beatles foi lançada recentemente por cerca de US$ 200.

É verdade que Yo Yo Ma é possivelmente um dos instrumentistas eruditos mais famosos do mundo. Sua música combina carisma extraordinário, habilidade técnica e musicalidade fora do comum.

Mas US$ 789?

“Para mim, é uma pechincha”, disse Alex Miller, e vice-presidente sênior da Sony Masterworks, chamando a atenção para o fato de que o custo representa menos de US$ 10 por CD.

Miller disse que o projeto foi idealizado por ele, não por Ma. “É uma maneira de reapresentar ao público contemporâneo esses discos que estão no mercado há tempo e nunca foram revistos.” Indagado se a Sony espera ganhar dinheiro com o lançamento do pacote, Miller respondeu que “a intenção foi render homenagem a uma carreira musical singular”.

Os pacotes de CDs não constituem novidade, é claro. Mas sua presença aparentemente crescente agora se deve a razões especiais. As gravadoras tentam atrair consumidores mais velhos, com mais dinheiro para gastar e cujo período de atenção pode ser mais longo. Mas a razão mais profunda é que a digitalização converteu a música gravada em coleções de dados. O recipiente que os contém é irrelevante, explicou Evan Eisenberg, autor de “The Recording Angel”, estudo sobre o impacto cultural da música gravada.

Mesmo assim, o impulso de ter e conservar um objeto e colecioná-lo permanece vivo. Um conjunto de CDs em uma caixa “preserva um tempo do qual queremos nos recordar”, disse Eisenberg.

domingo, 18 de outubro de 2009

Cantora da 2ªGuerra volta ao 1º lugar no Reino Unido

Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 18/outubro/2009, no caderno "Ilustrada"

Aos 92, musa do Pink Floyd derrota os Beatles
por Marianne Piemonte, colaboração para a Folha, de Londres

Vera Lynn é a artista viva mais velha a ter o disco em 1º lugar no Reino Unido

Coletânea da cantora que animou tropas britânicas na 2ª Guerra vende mais que os remasterizados do quarteto e bate marca de Bob Dylan

O racionamento de comida acabara de terminar no Reino Unido pós-guerra e, nos Estados Unidos, Elvis Presley começava a carreira. Era 1952 e Vera Lynn, a namoradinha das Forças Armadas britânicas, alcançava pela primeira vez o topo das paradas com o disco "We'll Meet Again".

No último dia 15 de setembro, aos 92, Lynn fez história novamente. Tornou-se a artista viva mais velha a colocar um disco na primeira posição do ranking de vendas, tomando o posto de Bob Dylan, que o fizera aos 67. "We'll Meet Again -The Very Best of Vera Lynn", com 24 músicas que ela cantava para as tropas no front, bateu os aclamados discos remasterizados dos Beatles e deixou para trás o novo do Arctic Monkeys. Ela é a cantora que inspirou o Pink Floyd na faixa "Vera", de "The Wall" (1979).

Com as comemorações dos 70 anos do início da Segunda Guerra, as músicas da nonagenária voltaram a tocar. No entanto, ela não receberá por isso. Como foram gravadas há mais de 50 anos, ela não detém mais os direitos das canções pelas leis britânicas. Mas a gravadora Decca, um braço da Universal Music, anunciou que a gratificará. Outro presente que recebeu foi o título de Mulher do Ano, no dia 12, em Londres.

Ela ficou feliz, mas sentiu estranheza porque a música não faz mais parte de sua vida desde a morte do marido, o clarinetista e seu empresário Harry Lewis, em 1990. "Tenho um gramofone em casa, mas nunca o ligo. Nem no banho eu cantarolo", disse ao "Sunday Times".

Vera começou a cantar aos sete anos em clubes para homens no leste de Londres. Aos 11, deixou a escola para excursionar com um show de variedades pela Grã-Bretanha. Em 1941, comandava o programa "Sincerely Yours" na rádio da BBC. Não foi surpresa que as músicas empostadas, estilo diva do jazz, fossem escolhidas para alegrar as tropas.

Vera voava nos aviões da Força Aérea Real e passava meses acampada com as tropas britânicas em instalações idênticas às dos soldados. O comediante Harry Secombe, do programa "Goon Show", o mais popular no radio britânico da época, disse ao "The Independent" que "Churchill não havia abatido os nazistas, mas a voz de Vera os tinha encantado para a morte".

Atualmente, ela não entende por que há soldados britânicos no Afeganistão. "Na Segunda Guerra, lutavam pelo nosso país. Hoje, estão envolvidos em problemas de outros países. Alguém pode me explicar?", disse ao "Sunday Times".

Hoje, as aventuras são duas temporadas anuais na França em busca de sol. No resto do ano, vive na pacata Sussex. Cozinha, faz compras e retira sua aposentadoria sozinha. Vera, que foi considerada a Marlene Dietrich britânica, diz que o segredo da saúde é a rotina. Acorda às 7h30, nunca pula uma refeição e não dorme maquiada.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Blogs musicais ameaçados

Texto publicado no "JBonline", página "Cultura" de 4/outubro/2009, fonte: http://jbonline.terra.com.br/pextra/2009/10/04/e041011198.asp

Google persegue blogs brasileiros
por Luiz Felipe Reis, Jornal do Brasil

RIO - Ferramenta popular para distribuição de arquivos musicais pela internet, os blogs de mp3 — sites que listam links através dos quais pode-se fazer o download de discos novos e antigos — estão, mais do que nunca, na mira da indústria fonográfica. E o Brasil não é exceção.

Um dos endereços brasileiros mais conhecidos, o Umquetenha (que funcionava em http://umquetenha.blogspot.com/) foi, há pouco mais de um mês, sumariamente retirado do ar pelo Google (que controla os blogs hospedados pela empresa Blogger.com). O que não impediu que os internautas tivessem acesso aos mais de 4.500 discos (todos de música brasileira) que o blog disponibilizava.

Com o fim do endereço original, o administrador do material resolveu transferir todo o seu acervo digital para outro servidor; enquanto reposicionava o seu conteúdo na web, o dono do Umquetenha passou a postar seus links via Twitter (twitter.com/umquetenha).

— O que o UQT faz não é pirataria — defende o criador do site, que prefere manter-se anônimo e só comunica-se por email, sob o pseudônimo Fulano Sicrano. — Não existe no Umquetenha uma única forma de remuneração envolvida, nenhum ganho direto ou indireto. Logo, não há motivo para perseguição ou punição.

Legislação dos EUA

Na atual guerra de ameaças e medidas jurídicas contra os internautas que baixam mp3, o blogueiro (que chegou a ter mais de 20 mil acessos diários em sua página) não vê muita esperança para quem defende a proibição da prática.

— Eu não conheço o aparato tecnológico ou procedimento que será usado para impedir que um determinado usuário acesse a internet. Mas me parece ser uma grande bobagem. Pode dificultar, mas duvido que impeça.

O administrador do Umquetenha foi obrigado a tirar o site do ar depois de receber uma notificação dos administradores da rede Blogger. A nota avisava que o blog havia recebido uma queixa de que estaria violando a DMCA, norma da indústria americana que regulamenta os direitos autorais (mesmo que o site só contasse com artistas brasileiros).

Caso semelhante ocorreu no ano passado com o blog Som Barato, também especializado em discos brasileiros — em sua maioria, raridades fora de catálogo — que teve os links para mais de 2 mil títulos deletados pelo Google.

Aos poucos, começam a aparecer no Brasil iniciativas da indústria fonográfica semelhantes às que já ocorrem nos EUA e Europa há tempos. No exterior, empresas de controle de direitos e segurança virtual como a Web Sheriff — uma das mais ativas e odiadas pelos baixadores de mp3 — passaram a ser contratadas por grandes artistas internacionais.

À frente dos interesses de selos e artistas como Prince, Arctic Monkeys, Franz Ferdinand, The Prodigy, Van Morrison, Bryan Adams, Black Crowes e Placebo, a empresa vasculha a rede para eliminar possíveis vazamentos de álbuns antes do lançamento oficial.

No Brasil, a Associação Anti-Pirataria Cinema e Música (APCM) também estende seus tentáculos. A entidade, que representa os braços operacionais de combate à falsificação da indústria fonográfica (ABPD) e da indústria de cinema e vídeo (MPA), retirou do ar, no início do ano, a comunidade Discografias, uma das mais acessadas pelos usuários do site de relacionamentos Orkut.

A associação, vinculada aos interesses de gravadoras e de produtoras de cinema, também eliminou sites dedicado a compartilhar filmes e seriados, como o IsLifeCorp. Em balanço que revela sua ações na rede, divulgado em 24 de setembro, a APCM indica que, na última quinzena daquele mês, solicitou a retirada do ar de 33.558 links estes encontrados em blogs, redes sociais, fóruns e sites. Também foram removidos 3.965 arquivos torrents — gerados para facilitar o compartilhamento através de rede P2P.

O administrador do Umquetenha prefere olhar a questão pelo lado dos artistas, e não o das companhias.

— O artista tem de usar todos os canais possíveis de divulgação. No caso do Umquetenha é de graça, como é na maioria dos blogs musicais que eu conheço. Os blogs têm a capacidade de equilibrar as oportunidades, aumentando as chances de reconhecimento daqueles que não têm muito dinheiro.

Liminha: “Música de graça é utopia”

Contrário aos sites e blogs que disponibilizam música sem autorização legal, o produtor Liminha defende que o acesso livre ao mp3 é pernicioso mesmo para artistas mundialmente estabelecidos.
— Quando se fala em download ilegal, as pessoas pensam, num primeiro plano, nos danos causados à gravadora. Mas na verdade, devemos olhar para o começo da cadeia: o compositor, o intérprete e o músico — alerta o produtor. — É um preço muito alto.

Apesar de a maior parte dos artistas independentes usar a internet para a divulgação de suas músicas, Liminha — um dos produtores mais consagrados da MPB e do pop brasileiro, tendo trabalhado com Gilberto Gil, Kid Abelha, Paralamas do Sucesso e Titãs — acredita que o panorama se torna ainda mais perigoso para o estabelecimento de jovens talentos.

— O cantor oferece a música de graça e depois vai fazer o show de graça. É muita gente trabalhando sem ganhar nada. Isso é uma utopia, só piora a situação da música. É preciso ter um mínimo de remuneração.

O produtor lembra que, mesmo com os avanços da tecnologia digital e da evolução dos softwares “caseiros” para a produção musical, o custo para a produção de um álbum ainda é muito elevado.
— Muita gente já não consegue viver só de música — diz. — É uma questão para ser resolvida de forma ampla. Poderiam criar um imposto artístico. Ou mesmo os provedores de internet, fabricantes de computadores podiam criar um fundo para ser distribuído entre as pessoas que produzem música.

Liminha ressalta que o preço cobrado por um álbum digital, muitas vezes próximo ao valor estipulado pelo produto físico, é um entrave ao comércio musical online.

— Nisso as gravadoras estão erradas. Não existe motivo para que o download custe o mesmo preço de um CD, que é transportado fisicamente, com um imposto sobre ele. Acho o preço do download exagerado.

* Taís Toti

Miranda: “Grátis é mais prazeroso”

Produtor musical, ex-diretor artístico de gravadoras (Banguela, Excelente, Trama) e hoje jurado do programa Qual é o seu talento? (SBT) Carlos Eduardo Miranda acha que a discussão sobre download de músicas não é mais necessária.

— O download já é algo consolidado, todo mundo já sabe como funciona. Quem quer comprar, compra, quem quer pagar, paga, quem quiser pegar de graça pega, é opção do usuário.

Miranda acredita que não há como controlar o compartilhamento de arquivos pela rede, e que em vez de impedir o download gratuito e ilegal, as gravadoras deveriam tornar mais prático e atrativo o comércio de música online.

— As pessoas vão se dispor a pagar quando valer a pena. Hoje é mais fácil, prazeroso e enriquecedor baixar de graça do que pagando. Vá a um blog de mp3 por exemplo, e lá você encontra grandes discos, comentários sobre eles, artistas novos. Isso instiga a descobrir novas músicas. Se você vai numa loja de mp3, vai ser conduzido para obviedades. Não há nada de interessante, de novo, e ainda é mais demorado. No blog é um clique e pronto.

O aumento dos downloads ilegais, na opinião do produtor, é culpa dos próprios artistas, que sempre afirmaram que “eram roubados pelas gravadoras e que a venda de discos não era lucrativa para eles”.

— Quando o artista fala isso publicamente não pode esperar que o público vai agir diferente. O fã vai pensar: “se o artista não ganha nada com isso, então está liberado roubar”.

Só que agora, lembra o produtor, é preciso entender que quem perde com o download gratuito não é só a gravadora, mas também o artista.

— É preciso conscientizar o público que pegar de graça foi algo importante, revolucionário. Mas agora é algo retrógrado, que vai contra o artista e contra o que ele gosta. (Taís Toti)