quinta-feira, 29 de julho de 2010

O festival de 1967

Texto Publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 29/julho/2010, no caderno "Ilustrada"

A noite que não terminou
por Ana Paula Souza, Marcus Preto, de São Paulo

Longa refaz história da MPB a partir da grande final do festival de 1967; arquivos e entrevistas revelam bastidores e acertam contas com o passado

É impossível esquecer aquela noite. Ao mesmo tempo, como é difícil recordá-la.

A final do 3º Festival da Música Popular Brasileira, exibida pela Record em 21 de outubro de 1967, ficou congelada na memória do público como um momento único.

Para seus protagonistas, porém, se foi alegria, foi também perturbação. É isso que revela, quatro décadas mais tarde, "Uma Noite em 67", documentário de Renato Terra e Ricardo Calil, crítico de cinema da Folha.

Por meio dos arquivos da TV Record e de depoimentos de quem estava lá, o filme revê um momento que iria se provar fundamental para a forma que assumiria, a partir dali, a música brasileira.

Há Chico Buarque ("Roda Viva"), Caetano Veloso ("Alegria, Alegria"), Gilberto Gil ("Domingo no Parque") e Roberto Carlos ("Maria, Carnaval e Cinzas") a defender suas canções. E há todos eles a rememorar aquela noite.

"Eu era um fantasma no palco", diz Gil, que caiu de cama, em pânico, horas antes da apresentação.

INTIMIDADE

É desses reencontros profundos com o passado que se constitui o filme. Fica claro que os diretores sabiam que muitos, como Caetano e Gil, tiveram suas falas sobre aquela noite banalizadas, tamanha a quantidade de entrevistas dadas a respeito.

Tinham também em mente que outros, como Chico e Roberto, dificilmente baixariam a guarda. "Era fundamental criar uma cumplicidade. Nós nos preparamos muitos e tentamos ser delicados, respeitosos", diz Calil.

Com isso, arrancaram de cada um momentos de graça, emoção e intimidade, como raras vezes se veem na tela.

"Ao ver o filme, assustei-me mais com suas revelações do que em me ver naquela agonia de não poder mostrar uma música", diz Sergio Ricardo que, impedido pelo público de cantar "Beto Bom de Bola", atirou a viola à plateia. O filme traz à luz a cena inteira, e não apenas a explosão. "Me sinto de alma lavada."

Há também um quê de acerto de contas no que sente Marília Medalha, que cantou, com Edu Lobo, "Ponteio", a grande vencedora da disputa de jovens gigantes.

"Fui espoliada após o festival, não só por pessoas da música, mas também por artistas do universo teatral", diz. "Com o AI-5 [1968], o negócio piorou muito. Num show com Vinicius [de Moraes], fui proibida de cantar "Ponteio". Não descobri se era por causa da música ou por saberem que tinha vínculos com presos políticos", diz.

A entrevista com Medalha, como dezenas de outras — entre elas as de Ferreira Gullar, Chico Anysio, Arnaldo Batista, Martinho da Vila —, ficou fora do corte final do filme. Estarão todos no DVD.

A opção de concentrar-se nas cinco primeiras classificadas faz com que cada canção seja vista de ponta a ponta. Por meio dessas imagens, o espectador não só conhece os maiores artistas da MPB quando jovens, como também visita os primórdios da TV. Ali, o cigarro em cena era tão natural quanto o jovem Chico, com 23 anos, apresentar-se de smoking.

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Chico revela mágoa com fama de "velho"

Em depoimentos para o documentário "Uma Noite em 67", ícones da MPB revivem as marcas deixadas pelo festival

Edu Lobo liga Tropicália a "roupas diferentes"; Gil diz ter sido levado ao movimento por insistência de Caetano

De imediato, o maior impacto do documentário "Uma Noite em 67" está nas imagens de acervo da TV Record — as sequências completas de Chico, Caetano, Gil, Mutantes, Roberto, Sérgio, Edu e Marília defendendo suas canções.

Mas, colocadas em contraponto ao material histórico, são as entrevistas feitas especialmente para o filme — recentes, portanto — as responsáveis pelas grandes revelações sobre os personagens.

"O tropicalismo foi a fase agônica da minha vida musical", conta Gil. Para fazer todos os rompimentos — musicais e até pessoais — necessários à criação do movimento precisou que Caetano o puxasse pelas mãos, ele diz.

Edu Lobo, por sua vez, deixa claro que, 43 anos depois, não mudou muito o modo como entende o tropicalismo. Para ele, toda a revolução liderada por Caetano e Gil a partir daquela noite "girou mais em torno da atitude no palco e das roupas diferentes do que da música".

As tais roupas que Edu cita, usadas sobretudo pelos Mutantes e pelos Beat Boys — as bandas de rock que acompanharam Gil e Caetano em seus números —, foram introduzidas nos festivais a partir daquele ano.

Era praxe, até ali, que artistas se apresentassem na TV vestindo smoking.

Revendo sua aparição naquela noite — de smoking —, Chico Buarque diz que, então, não sabia que aquelas mudanças nos figurinos aconteceriam. Ou melhor: sabia, mas tinha esquecido.

Entre risadas, conta que estava sob efeito de álcool quando Caetano lhe falara, tempos antes da primeira eliminatória, sobre a ideia das roupas. Por isso, não chegou a registrar a informação.
Mas o clima da entrevista sai da anedota quando o autor de "Roda Viva" revela ter se sentido "muito sozinho" naquele período.

Pelo contraste com a estética pop tropicalista, percebeu estar imediatamente identificado como "o velho", "o conservador" — tanto em música quanto em atitude.

"É duro ser chamado de velho, ainda mais quando você tem 23 anos", afirma Chico no filme.
Provocado pelos diretores, Caetano concorda. "Era natural que ele se sentisse assim." Até aquela noite, Chico mantinha o posto de unanimidade nacional e nunca havia encontrado qualquer restrição. Foi a primeira vez.

Na manhã do dia seguinte, nenhum deles seria o mesmo. Nem ele, nem o Brasil. (APS E MP)

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FOCO

Militante revê no filme sua "atuação" como fã
por Nina Lemos, colunista da Folha

"Quando as pessoas vaiavam, estavam vaiando a ditadura, e não as músicas."

A jornalista e militante Rose Nogueira, 65, explica isso enquanto assiste a "Uma Noite em 67" pela primeira vez. Quer dizer, pela segunda, já que ela estava presente no festival onde foi lançado o Tropicalismo, Chico cantou "Roda Viva" e Sérgio Ricardo quebrou um violão.

Ela era uma das moças "de tiara no cabelo, que já vinha com uma peruca" que adoravam Sérgio Ricardo e, claro, achavam Chico Buarque lindo. Rose tinha 20 anos na época. E continua achando Chico "lindo e com uma capacidade de construir poesia como ninguém".

Na tal noite de 67, ela ficou na parte de trás do auditório. E, ao ver o filme, relembra de tudo. "Olha o Sérgio Ricardo pedindo calma. Lembro exatamente disso. E nessa hora em que ele jogou o violão, nossa, fiquei em choque."

Apesar de achar Sérgio Ricardo "um charme", Rose torcia para "Roda Viva". "Está vendo ali? Eu era uma daquelas moças cantando "roda mundo, roda pião"."

A jornalista torcia para Chico em todos os festivais. Mas até hoje se emociona com "Alegria, Alegria".

"Que coisa maravilhosa. Essa hora em que todo mundo grita "eu vou" é emocionante. As pessoas estavam dizendo que não iam desistir. E o Caetano estava lutando com a poesia."

Ela acha que nem Caetano (e nem ninguém no Brasil) fez músicas tão bonitas depois "porque a ditadura veio e acabou com tudo".

As músicas podem não ter melhorado na opinião de Rose. Mas a aparência... "O Caetano era horroroso. Foi melhorando com o tempo. Desculpe, Caetano, mas você hoje é mais bonito."

"O Caetano também foi preso?", pergunta a cozinheira da casa. "Todo mundo foi preso." Até Rose, que um ano depois foi detida e torturada no presídio Tiradentes, onde permaneceu por oito meses. "Depois desse festival tudo mudou."

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CRÍTICA/DOCUMENTÁRIO

Brasil se revela por inteiro nos bastidores do festival
por José Geraldo Couto, colunista da Folha

Diretores captam um país entre as marcas da província e as antenas da metrópole

A última noite do Festival de Música Popular Brasileira de 1967 foi um desses raros momentos que condensam e catalisam as forças vivas de toda uma cultura.

Estavam ali não apenas artistas extraordinários em seu apogeu criativo, mas um caldeirão de elementos díspares numa rara e irrepetível sinergia: o berimbau e a guitarra elétrica, a poesia de vanguarda e o ti-ti-ti das revistas de fofoca, as marcas da província e as antenas da metrópole, o pop e a roça.

Diante desse evento singular, a virtude maior dos diretores Renato Terra e Ricardo Calil foi a de preservar uma certa modéstia e um escrupuloso respeito a todos os protagonistas e coadjuvantes da noite memorável.

O documentário busca transportar o espectador de hoje àquele ambiente sem intervir esteticamente, sem interpor interpretações políticas ou sociológicas, sem, em suma, "perfumar a flor", como diria o poeta João Cabral de Melo Neto.

Todos os depoentes são testemunhas presenciais e todos têm o que dizer. Por vezes ligeiramente contraditórios entre si, esses depoimentos ajudam a iluminar o acontecimento por vários ângulos e a construir os seus sentidos.

PROVÍNCIA X MUNDO

Mas o ponto mais forte do filme são as cenas de bastidores do festival, as entrevistas antes e depois das apresentações, em que transparece, nas perguntas dos repórteres e nas respostas dos artistas Gilberto Gil, Caetano Veloso, Mutantes, um alegre descompasso entre uma televisão familiar, provinciana, herdeira do rádio, e uma música revolucionária, sintonizada com o mundo.

Tudo ali diz muito sobre uma época: as roupas, os penteados, a gíria, o humor. O país se revela inteiro em cada fotograma.

Lamentou-se já a ausência de uma fala da cantora Marília Medalha, intérprete da vencedora "Ponteio". Outros testemunhos poderiam ser enriquecedores: de Nana Caymmi, Hermeto Pascoal, Rita Lee. A lista seria interminável, e o filme também.

Material não falta para outros documentários, para extras de DVD ou para uma série de TV, que talvez seja o destino mais adequado para esse tipo de documentário mais jornalístico do que propriamente cinematográfico.

Mas o filme "Uma Noite em 67", por sua força compacta e seu caráter de celebração, vai bem, muito bem na tela grande.

UMA NOITE EM 67
DIREÇÃO Ricardo Calil e Renato Terra
ONDE estreia amanhã no Frei Caneca Unibanco Arteplex, Espaço Unibanco Augusta e circuito
CLASSIFICAÇÃO livre
AVALIAÇÃO bom

quarta-feira, 28 de julho de 2010

O som verdadeiro

Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 28/julho/2010, no caderno "Tec"

Áudio 3D é aposta no mercado do som
por Amanda Demetrio, de São Paulo

Empresa brasileira investe em sistema de captação especial, que faz com que o usuário se sinta no meio da cena

Microfone em forma de cabeça permite captação de áudio que dá sensação de imersão mais realista ao ouvinte


Fazer com que o usuário se sinta dentro da cena que está assistindo. Além de ser o trunfo das TVs 3D, a máxima guia engenheiros que fazem pesquisa na área de som. Surge, então, o áudio 3D.

O som que dá a noção tridimensional pode ser de dois tipos: o surround e o binaural. O surround é usado tradicionalmente nas salas de cinema e alguns aparelhos de home theater tentam reproduzi-lo. Mas o binaural parece dar uma noção maior de imersão na cena.

Pensando nisso, a produtora de som Comando S Áudio investiu na área adquirindo o microfone Dummy Head. O aparelho é uma espécie de cabeça de madeira e outros materiais que simulam a caixa craniana com microfones posicionados no local em que ficam os ouvidos. Assim, o som é captado da mesma maneira como ele é recebido pela cabeça humana.

Os microfones acoplados não são quaisquer. Eles foram fabricados de acordo com um estudo da percepção auditiva humana, segundo Marcelo Cyro, engenheiro de som da Comando S Áudio.

A sensação de profundidade do som é criada a partir da interação entre as ondas do som produzidas ao redor. Quando essa interação é captada na mesma posição dos ouvidos, o resultado final de imersão impressiona.

Um porém da tecnologia é que só pode ser conferida em sua totalidade com o uso de fones de ouvido.

EXPERIMENTE

Estudos e experimentos sobre o áudio binaural já ocorrem há alguns anos. Ouça dez áudios gravados com o uso da técnica (lembre-se dos fones de ouvido!) em bit.ly/binaudio.

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ENTENDA

Binaural e surround têm efeitos diversos

Os tipos de áudio 3D (binaural e surround) trazem grandes diferenças.

Geralmente, o surround cria a dimensão do som por meio de caixas localizadas em pontos estratégicos do ambiente. A técnica é usada em salas de cinema e teatros, por exemplo.

Segundo Marcelo Cyro, engenheiro de som da Comando S Áudio, o surround traz a imersão, mas não dá a noção dos 360º ao redor do usuário.

Para dar essa percepção, o som binaural é indicado, mas existe a limitação da obrigatoriedade do uso do fone de ouvido. (AD)

sábado, 17 de julho de 2010

Clarineta brasileira - 2

Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 17/julho/2010, no caderno "Opinião"

Tarde demais
por Ruy Castro

RIO DE JANEIRO - Há anos, passando em frente a uma lavanderia da Lapa, algo me chamou a atenção: uma pilha de 50 ou 60 discos de 78 rpm, no chão, na porta do estabelecimento. Velho fuçador de sebos, abaixei-me para examinar. O primeiro da pilha já era espetacular: um disco da gravadora Sinter, apresentando um choro no lado A e um "bop" no lado B. Intérpretes: "Os melhores de 53".

E quem eram "os melhores de 53"? A lista vinha impressa no selo: entre outros, os saxofonistas Zé Bodega e Cipó; o trompetista Julio Barbosa; o trombonista Nelsinho; o clarinetista Severino Araújo; o pianista Radamés Gnatalli; o baterista Luciano Perrone; e outro saxofonista, Paulo Moura. Em 1953, Paulo Moura tinha 20 anos, mas já podia sentar-se entre aqueles mestres. E o fato de o disco conter um choro e um tema puxado ao jazz indicava as duas direções de sua carreira.

Folheei os outros discos e nenhum me interessou. Perguntei ao homem do balcão se estavam à venda. Respondeu que eram de graça — desde que eu levasse todos. Não os jogara fora há mais tempo porque tivera pena, um deles poderia interessar a alguém. Não discuti. Fiz sinal para um táxi, e o motorista me ajudou no carreto das bolachas para o banco traseiro. Já o dos "Melhores de 53" foi a salvo comigo, preso pelas duas mãos.

E até hoje o tenho. Mas, agora, com um travo de remorso. Certa vez, falei desse disco ao próprio Paulo Moura. Ele disse que já não o tinha havia décadas e lamentava que nunca mais voltaria a escutá-lo. Prometi-lhe uma cópia, mas, com as idas e vindas da vida, o disco sumiu de minhas vistas. Estive com Paulo muitas vezes, e ele, elegantíssimo, nunca me cobrou. Eu é que me sentia em dívida.

Pois, esta semana, reencontrei o disco em casa, numa estante. E me comovi ao ler o título do choro —"Agora É Tarde Demais"—, porque Paulo acabara de morrer.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Clarineta brasileira

Texto publicado no portal "estadao.com.br", em 13 de julho de 2010, 15h41, na seção Notícias/Cultura

Paulo Moura, um dos maiores clarinetistas do Brasil

Músico de 77 anos morreu enquanto realizava tratamento para curar um linfoma (câncer no sistema linfático)

Paulo Moura ganhou um Grammy por 'Pixinguinha: Paulo Moura e os Batutas'


SÃO PAULO - O clarinetista e saxofonista, Paulo Moura, de 77 anos, estava internado desde o último dia 4 na Clínica São Vicente, na Gávea, zona sul do Rio, e realizava tratamento para tentar curar um linfoma (câncer no sistema linfático). Morreu às 23h30 desta segunda-feira e o velório do corpo do músico será realizado no Salão Nobre do Teatro Carlos Gomes, nesta quarta, das 11h às 16h30. Em seguida, será realizada a cremação, no Memorial do Carmo, só com a presença da família.

Ganhador do Grammy por seu disco Pixinguinha: Paulo Moura e os Batutas, tem mais de 40 discos lançados desde 1956. Paulista de São José do Rio Preto, onde nasceu em 15 de julho de 1932, tocava clarinete desde os 9 anos, mas era também trompetista, saxofonista, compositor e arranjador. O músico, considerado um dos maiores instrumentistas da música brasileira, tocou com grandes nomes como Ary Barroso, Tom Jobim, Elis Regina, Milton Nascimento e Raphael Rabello.

Paulo Moura, figura sempre afável nos palcos, palmilhou uma longa estrada, apresentando-se com grandes nomes nacionais e estrangeiros. Foi assim desde seu primeiro registro fonográfico, em 1951, quando logo de cara acompanhou Dalva de Oliveira cantando nada mais, nada menos que Palhaço (Nelson Cavaquinho), até seu último trabalho, AfroBossaNova, ao lado de Armandinho, lançado no ano passado.

É difícil citar todos, mas é impossível não lembrar de trabalhos antológicos, como os álbuns gravados com a pianista Clara Sverner; Paulo Moura Interpreta Radamés Gnattali, de 1959; Confusão Urbana, Suburbana e Rural, de 1976; Mistura e Manda, de 1984; Dois Irmãos, de 1992, com Raphael Rabello; Wagner Tiso e Paulo Moura, de 1996; K-Ximblues, de 2001, em homenagem à obra do genial e pouco lembrado saxofonista e compositor K-Ximbinho; Dois Panos Pra Manga, de 2006, com João Donato; e El Negro del Branco, de 2004, com Yamandu Costa.

Amigos e familiares do músico disseram que ele tocou seu clarinete pela última vez no sábado passado, 10, internado no hospital, onde executou Doce de Coco (Dulce de Coco), de Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho.

A TV Cultura reprisa hoje, às 23 horas, programa gravado em 2006, com Paulo Moura e João Donato, em bate-papo sobre música, amigos e lugares que frequentavam.
(Colaborou Lucas Nobile)

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Leia a repercussão da morte de Paulo Moura:

Nivaldo Ornelas, saxofonista e flautista - "Ele não me deu aula de música, mas de vida. Tem músicos admirados só do palco pra fora, mas ele era pra dentro também. Gerações ficaram órfãs com a morte dele."

Leo Gandelman, saxofonista - "Doente, Paulo se preocupava com os outros, não queria que sofressem por ele, tentava minimizar. Ninguém podia esperar que estivesse com uma bomba-relógio dessa."

Mauro Senise, saxofonista, ex-aluno - "Sofri uma paulada. Nos shows que fizemos recentemente, ele parecia um adolescente. Paulo foi meu único professor. Era um escultor de melodias, me iniciou na improvisação."

Juca Ferreira, Ministro da Cultura - "Era um instrumentista e solista primoroso, além de compositor, arranjador e regente, conhecido e admirado no mundo todo. Uma figura humana singular."

Marcello Gonçalves, violonista - "Estava com o Paulo no sábado, na clínica São Vicente. Ele teve coragem de mostrar as ideias dele, sempre novas. Deu direção a muitos músicos da minha geração."

Yamandu Costa, violonista - "Nosso último show juntos foi no Equador, há 8 meses. Ele era muito divertido, simpático e malandro ao mesmo tempo. Tinha muita vontade de produzir coisas novas sempre."

terça-feira, 6 de julho de 2010

MPB: "exilada" e "undergound" no Brasil...

Texto publicado no portal "estadao.com.br" em 03/julho/2010 (16h00), na página de Notícias/Suplementos/Cultura

Sobe o som

Se você se pergunta por onde andam os grandes nomes da nossa música que mal dão as caras na TV aberta, mude para canais como TV Brasil, Canal Brasil e Globo News e Record News. É lá que os bambas da MPB são entrevistados por quem entende do assunto, lançam seus trabalhos e, claro, cantam, em programas que reinventam a maneira de apresentar música.

"A MPB está exilada no seu próprio país", dispara o crítico Tárik de Souza, que apresenta o MPBambas no Canal Brasil. O programa mostra o lado musical menos conhecido de gente que foi ou ainda é bastante conhecida. Na próxima quinta-feira, o humorista Chico Anysio relembra seus tempos de compositor, quando foi parceiro de gente como Altamiro Carrilho e Luiz Gonzaga. "Ele foi o primeiro a usar o termo ‘bossa nova’ numa música. Foi em 1955, com Cinema Bossa Nova", conta Tárik, dando uma palinha do recheio do programa. "A graça é mostrar o que essas pessoas, algumas até esquecidas, têm uma dimensão muito maior do que se possa imaginar."

Por que um programa como o MPBambas não está na TV aberta, acessível ao grande público, não é um grande mistério. A desculpa é que iniciativas desse tipo não atraem grande audiência. De dentro de uma espécie de oásis musical na grade da Globo, o Som Brasil, o diretor Luiz Gleiser prefere não questionar os motivos que levam o seu programa ser exibido à 1h40 da madrugada, uma sexta-feira por mês.

"Neste horário, posso experimentar à vontade, sem precisar dar explicações. A partir do momento que você vai para o horário nobre, o cenário muda", diz ele, que tem levado à maior emissora do País gente que nunca havia aparecido na TV. Com todos os poréns, a audiência do Som Brasil é bastante expressiva para o horário: marca em média 6 pontos.

Com grandes encontros musicais raramente vistos na TV aberta, o Altas Horas, pilotado por Serginho Groisman no mesmo canal e também na madrugada, endossa a receita, com boa audiência.

Plataforma. Qualquer telespectador com um pouco de memória pode perceber que o espaço destinado à música na TV não chega perto do que havia nos tempos dos grandes festivais ou de programas célebres como o Fino da Bossa, que Elis Regina e Jair Rodrigues comandaram nos anos 60 na Record. "É realmente incrível um país do tamanho do Brasil, com uma diversidade cultural enorme e que tem uma das melhores músicas do mundo, tenha tão pouco espaço para programas musicais", anota o sambista Diogo Nogueira, o mais badalado da nova geração - e olhe que aparece com frequência em auditórios como o de Faustão.

No ano passado, Diogo entrou para o time dos cantores e compositores que apresentam programas sobre música. O dele, o Samba na Gamboa, na TV Brasil, é um animado bate-papo em clima de botequim, por onde já passou gente como Paulinho da Viola, Zeca Pagodinho, Jorge Benjor e João Bosco. No palco, entrevista e canta ao lado dos artistas. Com isso, nessas mais de 70 entrevistas, já gravou mais de 400 músicas - um acervo e tanto do melhor do nosso samba.

Para o ex-Titã Charles Gavin, que há quatro temporadas apresenta O Som do Vinil, no Canal Brasil - um dos que mais têm investido na música -, praticamente não há mais espaço para o que ele chama de "plataforma de lançamento". "É resultado destes tempos que estamos vivendo, em que a música sofre concorrência de outras formas de entretenimento, como videogames e até fofocas. Não sei aonde isso vai levar", lamenta. "Na condição de música e de quem se preocupa com a música, sou pessimista porque não sei como retomar os programas importantes de outros tempos, como o Cassino do Chacrinha e o Globo de Ouro. Desses, o único que sobreviveu é o Raul Gil e, justiça seja feita, é um bom espaço."

O declínio das gravadoras e a divulgação de conteúdo pela internet dão a falsa ideia de que qualquer um pode apresentar seu trabalho para o mundo. Mas mesmo com YouTube e MySpace a mil, a TV ainda é o mais poderoso veículo de divulgação. "A TV não vai perder nunca o seu lugar, o seu destaque", acredita Diogo. " Edu Lobo e Nara Leão se tornaram pop star quando foram lançados pela televisão. Hoje, gente como o Ginga, por exemplo, é consagrado nos subterrâneos. A MPB virou underground", encerra Tárik.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Saudade de Rosa Passos...

Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 01/julho/2010, no caderno "Opinião"

Yo-Yo Ma

por Kenneth Maxwell

Yo-Yo Ma concluiu recentemente uma visita ao Brasil, com concertos de sucesso na Sala São Paulo e no restaurado Teatro Municipal do Rio.

Nascido em Paris, filho de pais chineses, sua família se transferiu para Nova York quando o menino tinha cinco anos. Criança prodígio, Yo-Yo Ma estudou na escola Juilliard de música. Tendo se formado na Universidade Harvard, hoje vive em Cambridge, Massachusetts, com a professora de alemão Jill Horner e os dois filhos do casal. É um dos mais versáteis e talentosos músicos do mundo.

Com seu violoncelo de 1733, construído pelo veneziano Domenico Montagnana, ou com seu Davydoff Stradivarius de 1712, Yo-Yo Ma se tornou um instrumentista de amplo alcance, igualmente confortável na execução de clássicos do barroco, Gabriel Fauré, Rachmaninoff e George Gershwin.

Em suas apresentações brasileiras, foi acompanhado pela pianista Kathryn Stott. Ma gravou 80 DVDs e ganhou 16 prêmios Grammy.

Recentemente, o professor Henry Louis Gates Jr., diretor do Centro de Estudos Afro-americanos de Harvard, destacou Yo-Yo Ma em sua série "Faces of America", para a rede de TV pública PBS.

O professor Gates traçou as origens da família de Yo-Yo Ma na China e descobriu que, durante a Revolução Cultural, um parente do violoncelista havia escondido uma genealogia da família, salvando-a da destruição. A árvore genealógica mostra 18 gerações da família Ma, remontando a 1217.

Yo-Yo Ma é famoso por seu trabalho com o projeto "Silk Road" [Estrada da Seda], que celebra a grande rota comercial pela qual a seda chinesa atravessava a Ásia para chegar ao Oriente Médio e à Europa, e usa essa ideia como metáfora moderna para apresentações multiculturais e multidisciplinares que integram música, narrativas, imagens e animação.

O violoncelista tem se voltado cada vez mais às Américas em busca de inspiração. Entre seus mais bem-sucedidos trabalhos recentes, em palco e em disco, está "The Soul of Tango", gravação de peças do argentino Astor Piazzola.

Desde 2004, a música popular brasileira também tem encontrado espaço em seu repertório mundial, que inclui o álbum "Obrigado Brazil", premiado com o Grammy, no qual colabora com a violonista e cantora Rosa Passos, que atualizou de maneira maravilhosa a música de João Gilberto e Antonio Carlos Jobim.

Com sua abertura a novos sons e estilos, sua excelência pessoal, seu sólido treinamento clássico e sua evidente alegria na descoberta do que há de melhor em tradições ecléticas e diversificadas, Yo-Yo Ma é um verdadeiro "cosmopolita", no melhor sentido da palavra.
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KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.
Tradução de Paulo Migliacci.