terça-feira, 25 de agosto de 2009

New York dá samba!

Texto publicado no jornal "O Estado de S.Paulo", de 25/agosto/2009, no "Caderno 2"

Samba aprende-se no colégio. Do Harlem

Cativados pelo ritmo brasileiro, alunos de escola pública do bairro de NY, famoso pelo gospel, dão show com minibateria

por Tonica Chagas

Batuque é um privilégio mas, contrariando o Feitio de Oração, de Noel Rosa, pode-se aprender samba no colégio, sim. E em colégio público americano, como mostraram, no começo da noite de quinta-feira passada nos jardins do Lincoln Center, em Nova York, alunos da Frederick Douglass Academy (FDA), escola secundária municipal no bairro do Harlem. Integrantes da Harlem Samba, uma minibateria formada lá há três anos, desfilaram pelos caminhos e pracinhas do centro cultural nova-iorquino célebre pelas óperas, concertos eruditos e espetáculos de balé, dando um show de 40 minutos no programa de música ao ar livre Lincoln Center Out of Doors. O batuque brasileiro - com mistura de reggae e hip hop - que animou o público americano é uma das matérias preferidas dos alunos da escola, que fica a poucas quadras do Yankee Stadium e no bairro onde um dos estilos prediletos de música é o gospel.

"Fazer parte da Harlem Samba é como fazer parte de uma banda de rock, a gente se diverte muito", diz Ariel Moyé, de 18 anos, caloura no curso de Artes do City College of Technology. Como muitos dos instrumentistas, mesmo já tendo saído da escola Ariel, ela continua tocando agogô na bateria que é dirigida pelo professor de música Dana Monteiro. Trompetista erudito por formação, com diploma da New York University e da Columbia University, Monteiro (o sobrenome luso vem de Cabo Verde, onde nasceram os pais dele) dá aulas na FDA desde 2001. Mas até ele mesmo aprender o que é samba, música era uma coisa que os alunos só aprendiam por pura obrigação.

"Sempre tentei ensiná-los a tocar instrumentos de sopro ou de cordas, mas eles só queriam saber de bateria e atabaques e era impossível tocar juntos", conta ele. A razão dessa preferência está no sangue, explica o diretor da FDA, Gregory Hodge, ao apontar os dados etnográficos da escola: 75% dos 1.600 alunos são afro-americanos e 24% são hispânicos.

O estalo sobre como entrosar a molecada na mesma harmonia veio nas férias que Monteiro passou no Rio, em 2004, onde um amigo o levou a um ensaio da Unidos de Vila Isabel. "Quando ouvi cerca de 200 pessoas tocando tambores ao mesmo tempo, senti que aquela seria a forma de entrosar os alunos", diz o professor. De volta a Nova York, com discos de samba-enredo na mala, ele foi aprender a tocar todos os instrumentos da percussão brasileira com outro americano, o etnomusicólogo Philip Galinsky, criador e diretor da Samba New York, a "school of samba" mais famosa e atuante da cidade.

A batucada foi entrando no currículo da FDA conforme Monteiro e Hodge convenciam amigos que viajavam para o Brasil a trazer-lhes bumbos, repeniques e tamborins. E todo aluno que não gostava ou não conseguia aprender o dó-ré-mi no piano, na flauta ou no violão foi cativado pelo baticumbum. "Uma das grandes vantagens do samba é que ele é democrático", diz Monteiro.

"Temos 250 alunos que compartilham pouco mais de 50 instrumentos, todos podem participar, aprendem rápido e gostam disso. Como professor, é gratificante vê-los aprendendo algo novo, como se estivessem estudando uma língua estrangeira, abrindo a cabeça para o mundo."

Em 2006, Monteiro formou a Harlem Samba com quatro garotos e quatro meninas escolhidos entre os melhores no novo idioma ensinado na FDA. O grupo agora tem 35 integrantes fixos.

Muitos já estão na faculdade, estudando em outros Estados, mas voltam sempre que podem para participar nem que seja só de um ou outro ensaio. A maioria mora, como eles dizem, "cruzando a ponte", no Bronx, onde o quadro socioeconômico é mais duro que o do bairro onde fica a escola que frequentam. O grupo unido pelo samba tem um significado especial para muitos deles.

A experiência que passou depois de aprender a tocar chocalho e ficar na linha de frente da bateria foi reveladora para Nikkita McPherson. "Antes, eu só conhecia o carnaval dos imigrantes de Trinidad que desfilam um dia por ano pelas ruas do Bronx, nunca tinha ouvido falar do carnaval brasileiro", lembra Nikkita que, por ter sempre boas notas, já viajou por um programa da FDA duas vezes para o Brasil e conheceu o Rio, São Paulo e Salvador. "Depois de cruzar uma distância de nove horas de voo, bem maior do que a da minha casa até a escola, descobri que aquelas pessoas não são diferentes de mim", diz ela. "São gente pobre que, no carnaval, são muito felizes. São como eu. O samba trouxe muita alegria para a minha vida." Em setembro, com bolsa de estudos integral, ela começa a cursar Ciências Políticas no Darthmouth College, em New Hampshire, uma das oito universidades americanas que integram a tradicional e conceituada Ivy League.

Da viagem que fez ao Brasil, Maurice Julius Evans, de 18 anos, outro dos integrantes originais da Harlem Samba, voltou com lembranças iguais às de Nikkita e um repenique - ou "happy Nick", como soa a palavra na pronúncia dele. Evans acabou de ingressar no curso de Física no Hostos College que, por ficar no Bronx, não o deixa longe dos ensaios na FDA. Esta semana, ele divertia os colegas contando que sua mãe, que o faz praticar os solos com toalhas sobre o instrumento para não incomodar os vizinhos, o surpreendeu na missa do domingo passado ao lhe entregar o tamborim com que acompanhava o gospel e pedir que a ensinasse a tocar samba.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

The Beatles, uma análise faixa a faixa

Texto publicado no "Jornal da Tarde", de 18/agosto/2009, na seção "Variedades"

Tintim por tintim

Guia Beatles disseca solo por solo, música por música, álbum por álbum

por Felipe Branco Cruz, felipe.cruz@grupoestado.com.br

Muitos livros já foram publicados sobre os Beatles abrangendo praticamente tudo. Desde fofocas e brigas até análises em profundidade das gravações no estúdio Abbey Road, em Londres. Então, por que lançar mais um?

Isney Savoy, da editora Larousse, responde: “O foco agora não são as intrigas. O trabalho faz análise inédita apenas da música.” O livro em questão é o The Beatles - Gravações Comentadas e Discografia Completa, lançado pela Larousse.

Escrito pelo britânico Jeff Russel, nascido em Liverpool, cuja a vida foi praticamente dedicada a pesquisas sobre o grupo, o livro apresenta a discografia completa, com notas dos bastidores das gravações.

São informações sobre cada canção lançada oficialmente, os títulos, as faixas (com a duração), as datas de lançamento, os créditos dos compositores e comentários sobre cada faixa. Na introdução, Russel justifica sua pesquisa.

“Não há nada mais a ser dito? Ao contrário. Muito ainda pode ser dito sobre a razão de ser dos Beatles. Sua música e, sobretudo, seus álbuns.”

Durante anos os mesmos álbuns que eram lançados no Reino Unido saíam em outros países retalhados pelas gravadoras que mudavam o desenho da capa, a sequência das canções e até cortavam músicas para lançar dois LPs em vez de um e faturar mais.

A prática foi comum nos Estados Unidos e no Brasil. Por isso, Isney Savoy, de 57 anos, fã da banda, foi recrutado para incluir na obra um capítulo com a discografia brasileira.

“Os álbuns dos Beatles no Brasil tiveram algumas particularidades. Por isso, os discos lançados por aqui são raridades”, diz Savoy, que começou a ouvir Beatles quanto tinha apenas 12 anos.

Dentre as características dos álbuns brasileiros está uma falha na canção Penny Lane, no álbum The Beatles Forever, de julho de 1972, lançado apenas por aqui como uma coletânea aleatória que reúne músicas de Magical Mystery Tour e outras faixas de compactos duplos.

A falha mostra um corte brusco após o verso “Full of fish and fingerpies”. “Foi uma falha no disco matriz recebido da Inglaterra. Como os brasileiros achavam que os Beatles faziam coisas inovadoras, acharam que a falha era proposital”, explica Savoy.

Graças a essas mudanças feitas pelas gravadoras de outros países, os Beatles passaram a exigir que seus álbuns fossem lançados da mesma forma no mundo inteiro.

“Eles criaram o conceito de álbum, com as canções seguindo uma sequência. Antes, cada país incluía as músicas em qualquer ordem, de acordo com o que eles imaginavam que o mercado local gostaria mais”, diz.

Uma das exigências da banda era que nunca fossem lançadas coletâneas. Recomendação ignorada no Brasil, já que por aqui foram lançados títulos como Juventude em Brasa, O Mundo em Suas Mãos - Vol. 3 e Ídolos da Juventude - Vol. 2, todos de 1965.

Contra o retalhamento feito nos Estados Unidos, a banda decidiu protestar e a capa do disco The Beatles Yesterday and Today (lançado apenas nos Estados Unidos em junho de 1966) saiu com eles vestidos de açougueiros segurando pedaços de carne e bonecas decapitadas.

O público reagiu e não gostou, tanto que a capa foi substituída por outra mais comportada. O exemplar é hoje extremamente cobiçado entre os fãs da banda.

Em seguida, a banda lançou Revolver, em agosto de 1966. O livro conta uma curiosidade do trabalho. Na canção de abertura, Taxman, quem toca o solo de guitarra não é George Harrison, mas sim Paul McCartney (apesar da canção ser de autoria de Harrison). Na última do álbum, Tomorrow Never Knows, o mesmo solo de Taxman é executado de trás para frente, por Harrison.

O livro abre com a história do primeiro álbum da banda, batizado de The Early Tapes of the Beatles, gravado em Hamburgo, Alemanha, em 1961. Eles tocam seis canções com o cantor Tony Sheridan, mas uma outra banda também aparece no LP, a The Beat Brothers.