sexta-feira, 17 de julho de 2009

Paulinho da Viola e Roberto Silva

Texto publicado no jornal "O Estado de S.Paulo", de 17/julho/2009, no "Caderno 2"

Paulinho se diz "vassalo" do verdadeiro príncipe do samba
por Lauro Lisboa Garcia, RIO

Reverenciando o mestre Roberto Silva e cantando clássicos, novidades e pérolas esquecidas, ele está de volta ao Canecão

Paulinho da Viola é daqueles patrimônios cariocas que a gente devia ter o privilégio de poder visitar toda vez que fosse ao Rio. Na sexta-feira passada ele reestreou no Canecão, onde volta hoje para mais três apresentações, o show do projeto "Acústico MTV".

A certa altura do desfile impecável de seus elegantes sambas, um fã gritou do fundo da plateia: "Faz mais shows". O público saudoso tem por que pedir. É pena que Paulinho não tenha vindo a São Paulo ainda desta vez. Portanto, mais um bom motivo pra pegar a ponte aérea e fazer um programa desses para voltar com a cabeça arejada.

O desgastado "Acústico", como todo mundo já sabe, é um projeto revisionista. Por isso, não faltam os grandes êxitos do artista em questão. Mas, como também não se cansa de dizer, Paulinho sempre foi acústico e sua nobreza está muito além disso. Discretamente, ele explica por que incluiu tantos sucessos antigos no roteiro. Como se pedisse passagem ou licença para fazer a gente ouvir de novo maravilhas como "Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida", "Coisas do Mundo, Minha Nega" (em momento sublime de voz e violão), "14 Anos", "Por Um Amor no Recife", "Sinal Fechado", "Coração Leviano" e tantos outros achados de lamento e alegria que povoam a boa consciência coletiva.

Se tudo se transformou, Paulinho não mexe com seu samba para parecer moderno. Ele já nasceu outro, eterno, está sempre atual, tem sempre um frescor nas sutis mudanças que faz para ser quase o mesmo, atemporal. Tanto é que ele conta que pegou uma melodia que tinha guardada, de samba tradicional, "bem antiga" e, por brincadeira, mandou para Marisa Monte, que replicou para Arnaldo Antunes. Os três assinam o "Talismã", agora já assimilado pelo público, o que confere ao samba um tom de velha novidade. Seu tempo é hoje.

Versos de clássicos que ele canta são lapsos de declarações de princípios: "Quando penso no futuro/ Não esqueço do passado" (Dança da Solidão); "Tá legal/ Eu aceito o argumento/ Mas não me altere o samba tanto assim" (Argumento); "Não sou eu quem me navega/ Quem me navega é o mar" (Timoneiro).

Alternando ao cavaquinho e ao violão — e acompanhado por uma ótima banda que tem Mário Sève, Cristóvão Bastos,João Rabello, filho de Paulinho, e três vocais femininos, todos absolutamente afinados com seu estilo e sua história —, ele é ao mesmo tempo despojado e sofisticado, velha guarda e menino.

Outro toque de atualidade vem de "Amor à Natureza", que não está no DVD "Acústico". Agora chega a notícia de que as praias do Leme ao Leblon estão com níveis acima do aceitável de coliformes fecais. Paulinho lembra que este samba de 1975 nasceu de uma charge de Jaguar, que ironizava justamente o fato de os banhistas terem de conviver com poluentes estranhos boiando ao lado. Mas há uma esperança de sobreviver, como ele diz no fim da canção, em forma de samba-enredo.

Ele também rende tributo a seus parceiros Capinam (Coração Imprudente), Mauro Duarte (Foi Demais) e Eduardo Gudin (Ainda Mais) e a seus mestres. Quando alguém da plateia o chama de "príncipe do samba", Paulinho corrige dizendo que o verdadeiro detentor desse título de nobreza é Roberto Silva, com quem aprendeu muitos sambas. "Sou apenas um vassalo dele", reforça, antes de mandar ver "Nervos de Aço" (Lupicínio Rodrigues). Essencial.

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