quinta-feira, 30 de julho de 2009

Cantor desafinado nunca mais?

Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 30/julho/2009, no caderno "Ilustrada"

"Photoshop musical" não deixa cantor desafinar

por Clarice Cardoso, colaboração para a Folha

Muito usado na indústria fonográfica, software Auto-Tune divide opiniões

Programa é usado para afinar vozes de intérpretes ou criar efeito "robotizado" como o da música "Believe", da cantora americana Cher

Se para capas de revista sumir com rugas e gordurinhas é trabalho para o Photoshop, na música o segredo para afinar o gogó é o Auto-Tune. No último mês, o software criado em 1997 virou notícia e alvo do rapper Jay-Z, que lançou a música "D.O.A. (Death of Auto-Tune)" -"morte ao Auto-Tune".

Na carona, Wyclef Jean lançou "Mr. Auto-Tune", em que canta: "Sou o sr. Auto-Tune/ Se você desafinar/ Transformo você em celebridade". Reações não tardaram: Kanye West tirou-o de seu CD; Mary J. Blige e Black Eyed Peas defenderam o programa. "Usamos com bom gosto", disse Fergie.

A Antares Audio Tech, que produz o software, levou com bom humor. À Folha, enviou uma charge em que a embalagem do programa diz que sua morte é um "rumor exagerado". "Divulgaram nosso nome entre um público que não o conhecia", diz Marco Alpert, vice-presidente de marketing.

Polêmicas à parte, o Auto-Tune e um similar, o Melodyne, são usados todos os dias em estúdios do Brasil e do mundo. Normalmente, corrigem trechos que "passariam despercebidos", dizem músicos e produtores ouvidos pela reportagem.

"Não se pode dizer que quem usa esses programas não canta bem. Na verdade, eles permitem que se aproveite uma gravação mais emotiva, que pode ter saído do tom em algum momento", diz Jorge Vercilo. "No meu DVD, supervisionei o trabalho do afinador e desfiz correções que o programa tinha feito em trechos que "passeavam pelas notas", um recurso do intérprete que o programa nem sempre entende."

Fábrica de mentiras

"Os puristas dizem que você tem que cantar sem errar, mas sou prático", diz Rogério Flausino, do Jota Quest. "Gravo tudo num dia e repasso com o técnico no outro. O cantor deve arrumar a afinação porque é ele quem sabe o que cantou."

Preta Gil, que usa o programa "em detalhes", acha que há exagero. "Tem cantor que relaxa porque o programa depois corrige. Mas ele também tira a espontaneidade. E tem muita cantora nova com voz de pato por causa do Auto-Tune."

O produtor Deeplick, que já trabalhou com Wanessa Camargo e Seu Jorge, concorda. "Ouço pessoas que me dão a impressão de não cantarem nada, de serem construídas." "Mas cantor montado não faz sucesso, desaponta ao vivo", diz o produtor Luis Paulo Serafim, que já trabalhou com Maria Bethânia e Rita Lee e ganhou sete Grammy. "O Auto-Tune é a fábrica de mentiras da nossa música, deixa qualquer um afinadinho. Mas o público percebe que soa pior."

Apollo Nove, que já produziu de Otto a Bebel Gilberto, não usa mais o programa. "Já fiquei uma semana de segunda a quinta passando Auto-Tune numa música [risos]. Mas desencanei, ele dá uma detonada na voz. O melhor som é o puro."

"Como público, acho legal os efeitos do software. Mas meu interesse em um cantor que não canta direito e usa o programa como maquiagem é bem pequeno", diz João Marcello Bôscoli, presidente da Trama.

Brendan Duffey, que já produziu bandas como Linkin Park e Maroon Five, disse à Folha se irritar com os puristas. "A tecnologia muda a arte. Pra que deixar seu disco meio estragado se ele pode ficar superbonito com tecnologia?".

Nenhum comentário: