Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 2/novembro/2009, no caderno "Ilustrada"
Sambista faz disco enquanto é tempo
por Marcus Preto, da Reportagem Local
Um dos principais compositores da nova geração, Edu Krieger diz que ciclo do samba dura só uns sete anos
O tempo está se esgotando. Dentro de seis ou sete anos, a Lapa carioca, hoje efervescente reduto sambista, estará às moscas. O cavaco, o pandeiro e o tamborim serão instrumentos fora de moda. As rádios segmentadas de música brasileira terão enfraquecido e mudado desse para algum outro nicho — o rock, possivelmente.
A profecia não vem de um roqueiro, mas de Edu Krieger — cantor, compositor e instrumentista carioca que lança agora o segundo álbum, "Correnteza", de vínculos estreitos com tudo isso: Lapa, samba, cavaco, pandeiro e tamborim. "A euforia nacionalista que a gente vive deve chegar ao auge nas Olimpíadas de 2016. Em seguida, virá a sensação de desgaste", aposta.
"O sucesso da Mallu Magalhães, que é uma artista que não tem nada de Brasil, já é o começo disso. Quando esse ufanismo olímpico passar, muitas outras Mallus vão tomar conta do espaço — e com todo o direito."
Krieger afirma que não há nenhum tipo de ressentimento nessa constatação. São ciclos naturais, segundo ele, que necessariamente se fecham e voltam a se abrir décadas adiante. E para os quais ele e seus colegas de geração devem estar bem prepararados.
"Nosso trabalho é agora", diz. "O mercado, hoje, está totalmente aberto para o que a gente está fazendo. Quem construir agora vai permanecer mesmo quando a maré mudar."
"Correnteza", o disco, é pedra importante nessa construção. Reconhece-se em suas faixas o mesmo bom compositor que, nos últimos tempos, vem sendo repetidamente divulgado também por outras vozes (Maria Rita, Roberta Sá, Pedro Luís e a Parede). Mas ouvem-se também ecos vindos da história da música brasileira. Matrizes de diversas frentes e tempos dão sustentação ao trabalho do compositor.
"Ela Entrava" soa Martinho da Vila, "Galileu" tem o mesmo universo ingênuo e sofisticado de Sidney Miller, "A Mais Bonita de Copacabana" tem um quê de Noel Rosa, o violão de "Clareia" remete a João Bosco, "Quando Ela Ri" poderia estar em um disco do Los Hermanos, "Rosa de Açucena" evoca Luiz Gonzaga, "Sobre as Mãos" é puro João Donato — esse, aliás, faz participação na faixa, ao piano.
Krieger detecta, ele mesmo, várias dessas referências. "Um amigo outro dia me disse: "Cara, que maravilhoso esse teu samba do Paulinho da Viola". É um elogio. Todo mundo deveria ter direito de compor seu próprio samba do Paulinho da Viola." Ao menos enquanto o tempo estiver propício para isso.
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CORRENTEZA
Artista: Edu Krieger
Gravadora: Biscoito Fino
Quanto: R$ 30, em média
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