sábado, 14 de novembro de 2009

Modern Sound, RJ — "Como pode morrer um lugar assim?"

Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 14/novembro/2009, no caderno "Ilustrada"

Superloja de discos do Rio deve R$ 3,3 milhões
por Caio Barreto Briso, da Sucursal do Rio

Em Copacabana há mais de 40 anos, Modern Sound perdeu 40% do faturamento

Proprietário planeja transformar parte do lugar em uma casa de shows; loja teve clientes como Paulo Francis e Fernando Sabino

Com modestos 60m² quando inaugurada em 1966 pelo baiano Pedro Passos, a Modern Sound se tornou a maior loja de música do Rio, tendo hoje 1.300m² em Copacabana (r. Barata Ribeiro, 502) e um acervo de 80 mil CDs, 30 mil LPs e 4.000 DVDs. E uma dívida de R$3,3 milhões.

Desde 2006, o faturamento caiu 40%. Reflexo dos tempos de internet, o endividamento levou Passos a um pedido de recuperação judicial, já autorizado. Se os credores concordarem, o pagamento será em 30 vezes, após um ano de carência.

"O Rio morreria um pouco sem a Modern Sound, clube onde os amantes da música se encontram, loja especializada na música do mundo todo. Perdê-la seria um fim de linha para a cidade", diz a atriz Fernanda Montenegro, uma das muitas fãs da casa, que teve entre seus clientes o jornalista Paulo Francis ("Um amante de Wagner", diz Passos) e o escritor Fernando Sabino ("Comprava todos os lançamentos de jazz").

"Sempre buscamos um diferencial, como importar discos raros. Hoje isso não basta. Tudo está na internet", diz Passos, 70. Ele quer transformar a parte da loja adquirida em 1999 (800 m2) em uma casa de shows para 500 pessoas. Segundo ele, já há duas grandes empresas interessadas em apoiar o projeto. "Também pensamos em vender 50% do capital da loja. Estamos buscando parceiros."

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Comentário
Com a Modern Sound na cidade, não precisávamos viajar em busca de discos
por Ruy Castro, colunista da Folha

Assim que botei no bolso meu primeiro salário em jornal, tomei um táxi na avenida Gomes Freire, na Lapa, fui direto à Modern Sound, em Copacabana, e comprei um LP importado do pianista e cantor de jazz Fats Waller, que tenho até hoje. Isso foi em 1967, e a Modern Sound também estava no começo.

Desde então, nesses 42 anos, calculo ter deixado lá o valor de um ou dois apartamentos, em milhares de LPs, CDs, videolasers e DVDs — e não me arrependo de nenhum deles. Acompanhei a luta de Pedro Passos por todos esses anos, adaptando-se a cada novo formato que a indústria inventava para vender música, até fazer da Modern Sound, em minha opinião, a melhor loja de discos do mundo no seu tamanho — um meio-termo entre uma gigamega e uma loja de esquina.

E olhe que conheci a Tower, a Virgin e a HMV de vários países e, antes dessas, a Sam Goody's, a Colony, a RKO e outras grandes lojas de Nova York.

A Modern Sound era, de longe, a melhor: tinha quase todos os discos de jazz, cantores, Broadway, cinema, rock e clássicos que as outras tinham, e mais a música popular brasileira completa (que elas não tinham) e a música de qualquer país do mundo — Islândia, Venezuela, África do Sul —, mesmo que fosse apenas na forma de um único LP ou CD.

O Rio e todos nós lhe devemos muito da nossa formação musical. Por causa da Modern Sound, não precisávamos viajar para comprar discos.

Pedro não gosta só de música, gosta também de disco, e conhece tudo. Nunca trabalhou com outra coisa e é amigo de todos os músicos do Rio desde os anos 50. Seu filho Pedro Otavio herdou essa cultura e acrescentou sua capacidade para produzir shows no bistrô Allegro, criado há alguns anos no local. Algumas das noites mais inesquecíveis que passei nos últimos dez anos foram ali, ouvindo os cobras do samba-jazz que passaram e passam por lá.

Mas veio a crise e, quando todas as megastores internacionais já ameaçavam fechar as portas, no começo do século 21, Pedro ainda estava se atrevendo a expandir a loja, aumentando o estoque e fazendo grandes planos. Se passara por todas as crises e continuara invicto, por que não superaria mais esta?

Nunca deixei de frequentar a Modern Sound e até hoje procuro ir lá toda semana. Conheço seus funcionários um a um, dos vendedores de discos aos garçons e os frequentadores — é mais que um clube, é a minha casa. E gosto de levar gente de fora para visitá-la.

Um dos últimos foi o jornalista espanhol Carlos Galilea, do "El País". Acabado o show no bistrô, o contrabaixista Bebeto Castilho sentou-se à nossa mesa e começou a contar histórias. Galilea mal acreditava que estava diante do lendário músico do Tamba Trio, que toca ali toda quarta-feira. É o único lugar do mundo onde se pode ouvir música fabulosa pelo preço de uma Coca-Cola.Como pode morrer um lugar assim?

2 comentários:

Unknown disse...

Concordo com tudo o que foi dito aí em cima. Sou frequentador assiduo da Modern Sound, aonde vou quase todos os sábados encontrar meus amigos jazzófilos que se reunem na mesa do Luis Fernando Senna. Uma cidade que já perdeu o Mistura Fina na Lagoa não merece perder a Modern Sound, que com certeza fará muita falta.

Miguel Borges

Unknown disse...

Fui levado à Modern Sound pela 1a. vez pela mão de minha amiga Ivani Sauwen, uma das produtoras do Bistrô Allegro e fiz ali grandes amizades, as quais conservo até hoje; estou torcendo muito que o Pedro consiga superar essa má fase.
Franklin Valladares