Texto publicado no jornal "O Estado de S.Paulo" de 26/novembro/2009, caderno "Metrópole"
Esquina mais famosa de SP reencontra a MPB
por Ana Bizzotto
Palestras quinzenais sobre o assunto estão no calendário do cruzamento das Avenidas Ipiranga e São João
Bem antes de ser imortalizado por Caetano Veloso na música Sampa, de 1978, o cruzamento das Avenidas Ipiranga e São João, no centro, já era ponto de encontro de cantores e instrumentistas de orquestras, bares e gafieiras. Alguns deles, frequentadores de esquinas nas madrugadas dos anos 1950, 1960 e 1970, se reuniram ontem no Bar Brahma para inaugurar a Associação Esquina da MPB e para o lançamento do projeto Vá ver se eu tô na esquina!
Com início previsto para 3 de março de 2010, o projeto vai promover quinzenalmente no bar, às quartas-feiras, palestras e um bate-papo sobre história da Música Popular Brasileira (MPB), com entrada grátis e participação de estudantes, historiadores e músicos convidados.
Emocionados, os artistas levaram fotos e recortes de jornal e relembraram histórias vividas ali. O "Ponto dos Músicos", segundo eles, se formava na frente do Bar Avenida. "Todo mundo vinha depois dos shows, teatros e musicais para conseguir trabalho. Os bailes e TVs tinham grandes orquestras, e os empresários buscavam músicos aqui. Os mais boêmios ficavam até de manhã, mas não era só boemia. Discutíamos filosofia, literatura e política", conta o trompetista José Roberto Branco. O saxofonista Carlos Alberto Alcântara diz que a esquina era o "escritório". "Tudo era acertado ali, telefone era difícil na época."
Pianista do quinteto do programa Fino da Bossa, apresentado por Elis Regina e Jair Rodrigues na TV Record, Luiz Loy se considera sortudo. "Pertenci à época em que músicos eram valorizados. Seria muito bom se a gente voltasse a se encontrar."
VOCAÇÃO
Segundo o empresário Álvaro Aoas, dono do Bar Brahma e diretor do conselho da associação, a ideia surgiu quando o estabelecimento, criado em 1948, finalmente conseguiu alugar o imóvel da esquina, em 2008. Eles planejam criar uma "calçada da fama" e promover shows gratuitos.
"Queremos contribuir para a esquina cumprir a vocação de promover a música brasileira", afirma Aoas. A associação adquiriu um acervo de 43 mil fotos de Mário Luiz Thompson, tido como um dos mais importantes fotógrafos da história da música brasileira. O acervo, parte já digitalizado e disponível no site http://www.associacaoesquinadampb.com.br/, servirá para projetos educacionais.
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
CD tem recorde de pré-venda
Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 26/novembro/2009, no caderno "Ilustrada"
Estreia em disco de Susan Boyle, 48, bate recorde de pré-venda
por Thiago Ney, da Reportagem Local
Ex-participante de um concurso da TV britânica, escocesa lança primeiro CD
Em 11 de abril, Susan Boyle deixou de ser apenas uma escocesa desajeitada dona do gato Pebbles para se tornar uma voz de alcance planetário. Naquele dia, ela espantou o mundo com uma interpretação estonteante de "I Dreamed a Dream" (do musical "Les Misérables") no programa de televisão britânico "Britain's Got Talent".
Boyle, 48 anos, não ficou com o primeiro lugar — perdeu para um grupo de dançarinos meia-boca chamado Diversity —, mas sua fama ficou maior do que a do programa. Tanto que nesta semana saiu na Europa e nos EUA o primeiro disco da agora cantora profissional Susan Boyle (a Sony promete lançá-lo em breve no Brasil).
"I Dreamed a Dream" é o nome do álbum, que bateu recorde como o disco que teve o maior número de pré-vendas da história da Amazon — a empresa não divulgou números, mas especula-se que tenha batido nos 150 mil pedidos.
Em tempos de escassez na indústria da música, Boyle é um investimento seguro. Seus vídeos no YouTube já ultrapassaram as 100 milhões de visualizações. Os shows dificilmente são realizados com lugares disponíveis na plateia. E até foi mencionada em "Simpsons".
Em "I Dreamed a Dream", além da canção-título, Boyle tenta investir em áreas menos óbvias — a primeira faixa do disco é "Wild Horses", balada dos Rolling Stones.
Há espaço para Madonna ("You'll See") e Monkees ("Daydream Believer"). Segundo o encarte, foi Boyle quem escolheu as faixas.
Mas a cantora não foge das baladas e do sentimentalismo superficial — estão no álbum versões para "Cry Me a River", "Amazing Grace" e a natalina "Silent Night".
O fim do ano está aí. Para o bem e para o mal, "I Dreamed a Dream" estará em vários amigos-secretos por aí.
Estreia em disco de Susan Boyle, 48, bate recorde de pré-venda
por Thiago Ney, da Reportagem Local
Ex-participante de um concurso da TV britânica, escocesa lança primeiro CD
Em 11 de abril, Susan Boyle deixou de ser apenas uma escocesa desajeitada dona do gato Pebbles para se tornar uma voz de alcance planetário. Naquele dia, ela espantou o mundo com uma interpretação estonteante de "I Dreamed a Dream" (do musical "Les Misérables") no programa de televisão britânico "Britain's Got Talent".
Boyle, 48 anos, não ficou com o primeiro lugar — perdeu para um grupo de dançarinos meia-boca chamado Diversity —, mas sua fama ficou maior do que a do programa. Tanto que nesta semana saiu na Europa e nos EUA o primeiro disco da agora cantora profissional Susan Boyle (a Sony promete lançá-lo em breve no Brasil).
"I Dreamed a Dream" é o nome do álbum, que bateu recorde como o disco que teve o maior número de pré-vendas da história da Amazon — a empresa não divulgou números, mas especula-se que tenha batido nos 150 mil pedidos.
Em tempos de escassez na indústria da música, Boyle é um investimento seguro. Seus vídeos no YouTube já ultrapassaram as 100 milhões de visualizações. Os shows dificilmente são realizados com lugares disponíveis na plateia. E até foi mencionada em "Simpsons".
Em "I Dreamed a Dream", além da canção-título, Boyle tenta investir em áreas menos óbvias — a primeira faixa do disco é "Wild Horses", balada dos Rolling Stones.
Há espaço para Madonna ("You'll See") e Monkees ("Daydream Believer"). Segundo o encarte, foi Boyle quem escolheu as faixas.
Mas a cantora não foge das baladas e do sentimentalismo superficial — estão no álbum versões para "Cry Me a River", "Amazing Grace" e a natalina "Silent Night".
O fim do ano está aí. Para o bem e para o mal, "I Dreamed a Dream" estará em vários amigos-secretos por aí.
sábado, 14 de novembro de 2009
Modern Sound, RJ — "Como pode morrer um lugar assim?"
Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 14/novembro/2009, no caderno "Ilustrada"
Superloja de discos do Rio deve R$ 3,3 milhões
por Caio Barreto Briso, da Sucursal do Rio
Em Copacabana há mais de 40 anos, Modern Sound perdeu 40% do faturamento
Proprietário planeja transformar parte do lugar em uma casa de shows; loja teve clientes como Paulo Francis e Fernando Sabino
Com modestos 60m² quando inaugurada em 1966 pelo baiano Pedro Passos, a Modern Sound se tornou a maior loja de música do Rio, tendo hoje 1.300m² em Copacabana (r. Barata Ribeiro, 502) e um acervo de 80 mil CDs, 30 mil LPs e 4.000 DVDs. E uma dívida de R$3,3 milhões.
Desde 2006, o faturamento caiu 40%. Reflexo dos tempos de internet, o endividamento levou Passos a um pedido de recuperação judicial, já autorizado. Se os credores concordarem, o pagamento será em 30 vezes, após um ano de carência.
"O Rio morreria um pouco sem a Modern Sound, clube onde os amantes da música se encontram, loja especializada na música do mundo todo. Perdê-la seria um fim de linha para a cidade", diz a atriz Fernanda Montenegro, uma das muitas fãs da casa, que teve entre seus clientes o jornalista Paulo Francis ("Um amante de Wagner", diz Passos) e o escritor Fernando Sabino ("Comprava todos os lançamentos de jazz").
"Sempre buscamos um diferencial, como importar discos raros. Hoje isso não basta. Tudo está na internet", diz Passos, 70. Ele quer transformar a parte da loja adquirida em 1999 (800 m2) em uma casa de shows para 500 pessoas. Segundo ele, já há duas grandes empresas interessadas em apoiar o projeto. "Também pensamos em vender 50% do capital da loja. Estamos buscando parceiros."
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Comentário
Com a Modern Sound na cidade, não precisávamos viajar em busca de discos
por Ruy Castro, colunista da Folha
Assim que botei no bolso meu primeiro salário em jornal, tomei um táxi na avenida Gomes Freire, na Lapa, fui direto à Modern Sound, em Copacabana, e comprei um LP importado do pianista e cantor de jazz Fats Waller, que tenho até hoje. Isso foi em 1967, e a Modern Sound também estava no começo.
Desde então, nesses 42 anos, calculo ter deixado lá o valor de um ou dois apartamentos, em milhares de LPs, CDs, videolasers e DVDs — e não me arrependo de nenhum deles. Acompanhei a luta de Pedro Passos por todos esses anos, adaptando-se a cada novo formato que a indústria inventava para vender música, até fazer da Modern Sound, em minha opinião, a melhor loja de discos do mundo no seu tamanho — um meio-termo entre uma gigamega e uma loja de esquina.
E olhe que conheci a Tower, a Virgin e a HMV de vários países e, antes dessas, a Sam Goody's, a Colony, a RKO e outras grandes lojas de Nova York.
A Modern Sound era, de longe, a melhor: tinha quase todos os discos de jazz, cantores, Broadway, cinema, rock e clássicos que as outras tinham, e mais a música popular brasileira completa (que elas não tinham) e a música de qualquer país do mundo — Islândia, Venezuela, África do Sul —, mesmo que fosse apenas na forma de um único LP ou CD.
O Rio e todos nós lhe devemos muito da nossa formação musical. Por causa da Modern Sound, não precisávamos viajar para comprar discos.
Pedro não gosta só de música, gosta também de disco, e conhece tudo. Nunca trabalhou com outra coisa e é amigo de todos os músicos do Rio desde os anos 50. Seu filho Pedro Otavio herdou essa cultura e acrescentou sua capacidade para produzir shows no bistrô Allegro, criado há alguns anos no local. Algumas das noites mais inesquecíveis que passei nos últimos dez anos foram ali, ouvindo os cobras do samba-jazz que passaram e passam por lá.
Mas veio a crise e, quando todas as megastores internacionais já ameaçavam fechar as portas, no começo do século 21, Pedro ainda estava se atrevendo a expandir a loja, aumentando o estoque e fazendo grandes planos. Se passara por todas as crises e continuara invicto, por que não superaria mais esta?
Nunca deixei de frequentar a Modern Sound e até hoje procuro ir lá toda semana. Conheço seus funcionários um a um, dos vendedores de discos aos garçons e os frequentadores — é mais que um clube, é a minha casa. E gosto de levar gente de fora para visitá-la.
Um dos últimos foi o jornalista espanhol Carlos Galilea, do "El País". Acabado o show no bistrô, o contrabaixista Bebeto Castilho sentou-se à nossa mesa e começou a contar histórias. Galilea mal acreditava que estava diante do lendário músico do Tamba Trio, que toca ali toda quarta-feira. É o único lugar do mundo onde se pode ouvir música fabulosa pelo preço de uma Coca-Cola.Como pode morrer um lugar assim?
Superloja de discos do Rio deve R$ 3,3 milhões
por Caio Barreto Briso, da Sucursal do Rio
Em Copacabana há mais de 40 anos, Modern Sound perdeu 40% do faturamento
Proprietário planeja transformar parte do lugar em uma casa de shows; loja teve clientes como Paulo Francis e Fernando Sabino
Com modestos 60m² quando inaugurada em 1966 pelo baiano Pedro Passos, a Modern Sound se tornou a maior loja de música do Rio, tendo hoje 1.300m² em Copacabana (r. Barata Ribeiro, 502) e um acervo de 80 mil CDs, 30 mil LPs e 4.000 DVDs. E uma dívida de R$3,3 milhões.
Desde 2006, o faturamento caiu 40%. Reflexo dos tempos de internet, o endividamento levou Passos a um pedido de recuperação judicial, já autorizado. Se os credores concordarem, o pagamento será em 30 vezes, após um ano de carência.
"O Rio morreria um pouco sem a Modern Sound, clube onde os amantes da música se encontram, loja especializada na música do mundo todo. Perdê-la seria um fim de linha para a cidade", diz a atriz Fernanda Montenegro, uma das muitas fãs da casa, que teve entre seus clientes o jornalista Paulo Francis ("Um amante de Wagner", diz Passos) e o escritor Fernando Sabino ("Comprava todos os lançamentos de jazz").
"Sempre buscamos um diferencial, como importar discos raros. Hoje isso não basta. Tudo está na internet", diz Passos, 70. Ele quer transformar a parte da loja adquirida em 1999 (800 m2) em uma casa de shows para 500 pessoas. Segundo ele, já há duas grandes empresas interessadas em apoiar o projeto. "Também pensamos em vender 50% do capital da loja. Estamos buscando parceiros."
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Comentário
Com a Modern Sound na cidade, não precisávamos viajar em busca de discos
por Ruy Castro, colunista da Folha
Assim que botei no bolso meu primeiro salário em jornal, tomei um táxi na avenida Gomes Freire, na Lapa, fui direto à Modern Sound, em Copacabana, e comprei um LP importado do pianista e cantor de jazz Fats Waller, que tenho até hoje. Isso foi em 1967, e a Modern Sound também estava no começo.
Desde então, nesses 42 anos, calculo ter deixado lá o valor de um ou dois apartamentos, em milhares de LPs, CDs, videolasers e DVDs — e não me arrependo de nenhum deles. Acompanhei a luta de Pedro Passos por todos esses anos, adaptando-se a cada novo formato que a indústria inventava para vender música, até fazer da Modern Sound, em minha opinião, a melhor loja de discos do mundo no seu tamanho — um meio-termo entre uma gigamega e uma loja de esquina.
E olhe que conheci a Tower, a Virgin e a HMV de vários países e, antes dessas, a Sam Goody's, a Colony, a RKO e outras grandes lojas de Nova York.
A Modern Sound era, de longe, a melhor: tinha quase todos os discos de jazz, cantores, Broadway, cinema, rock e clássicos que as outras tinham, e mais a música popular brasileira completa (que elas não tinham) e a música de qualquer país do mundo — Islândia, Venezuela, África do Sul —, mesmo que fosse apenas na forma de um único LP ou CD.
O Rio e todos nós lhe devemos muito da nossa formação musical. Por causa da Modern Sound, não precisávamos viajar para comprar discos.
Pedro não gosta só de música, gosta também de disco, e conhece tudo. Nunca trabalhou com outra coisa e é amigo de todos os músicos do Rio desde os anos 50. Seu filho Pedro Otavio herdou essa cultura e acrescentou sua capacidade para produzir shows no bistrô Allegro, criado há alguns anos no local. Algumas das noites mais inesquecíveis que passei nos últimos dez anos foram ali, ouvindo os cobras do samba-jazz que passaram e passam por lá.
Mas veio a crise e, quando todas as megastores internacionais já ameaçavam fechar as portas, no começo do século 21, Pedro ainda estava se atrevendo a expandir a loja, aumentando o estoque e fazendo grandes planos. Se passara por todas as crises e continuara invicto, por que não superaria mais esta?
Nunca deixei de frequentar a Modern Sound e até hoje procuro ir lá toda semana. Conheço seus funcionários um a um, dos vendedores de discos aos garçons e os frequentadores — é mais que um clube, é a minha casa. E gosto de levar gente de fora para visitá-la.
Um dos últimos foi o jornalista espanhol Carlos Galilea, do "El País". Acabado o show no bistrô, o contrabaixista Bebeto Castilho sentou-se à nossa mesa e começou a contar histórias. Galilea mal acreditava que estava diante do lendário músico do Tamba Trio, que toca ali toda quarta-feira. É o único lugar do mundo onde se pode ouvir música fabulosa pelo preço de uma Coca-Cola.Como pode morrer um lugar assim?
domingo, 8 de novembro de 2009
Nova etapa na evolução humana
Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 8/novembro/2009, no caderno "Ciência"
40 anos de internet
por Marcelo Gleiser
Será que a tecnologia está redefinindo quem somos?
Faz 40 anos que os computadores de Leonard Kleinrock, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, e de Douglas Engelbart, do Instituto de Pesquisas na Universidade de Stanford, foram conectados por uma "linha especial" da Arpanet, um sistema de apenas quatro computadores que faziam parte de um projeto do Departamento de Defesa dos EUA.
Com o passar dos anos, o sistema exclusivo de tráfego de informação evoluiu, saiu dos laboratórios de cientistas para o público e hoje é conhecido como internet.
Não há dúvida de que a internet está transformando o mundo, de que vivemos em meio a uma revolução. A questão, ou uma delas, é que tipo de revolução é essa: será que a internet pode ser comparada, por exemplo, ao telefone ou ao carro, ou mesmo à imprensa de tipo móvel, que revolucionou o livro? Ou será que ela pertence a outra classe de tecnologia, que não só transforma a sociedade mas que vai além, redefinindo quem somos?
A questão é complicada, difícil até de ser formulada. O telefone e o carro transformaram o modo como as pessoas se comunicavam, iam ao trabalho, viajavam, viam o mundo. Como toda tecnologia que se torna de uso público, primeiro começaram pequenos, com alcance limitado: eram poucas as linhas telefônicas e as estradas.
Aos poucos, as coisas foram crescendo e, em meados do século 20, telefones e estradas estavam pelo mundo todo. Uma diferença bem importante é que a internet, por ser acessível por computadores, é bem mais aberta aos jovens.
Telefones celulares também; os jovens têm a sua privacidade, o seu espaço virtual separado do dos pais e irmãos. A comunicação é tão fácil e rápida que chega a tornar o contato direto, em carne e osso, desnecessário.
Talvez seja uma preocupação dos meus leitores mais velhos, que, como eu, nutriam as amizades no campo real e não por meio de sites como Facebook e Twitter, mas será que a internet nos fará desaprender como nos relacionar diretamente com outros seres humanos?
Deixando esse tipo de preocupação de lado, se olharmos para a história da civilização, veremos que podemos contá-la como uma história da tecnologia. À medida que novas tecnologias foram sendo desenvolvidas, do controle do fogo e da rotação de terra na agricultura até a roda, o arado e os transistores e semicondutores usados em aparelhos eletrônicos, nossa história foi, em grande parte, determinada pelas nossas máquinas. Valores e interesses mudam, e visões de mundo se transformam de acordo com nossos instrumentos.
O Homo habilis, nosso ancestral que usou ferramentas pela primeira vez, evoluiu rumo ao Homo sapiens e, agora, este se transforma no Homo conectus. Será que nossos avanços tecnológicos são, hoje, a principal mola da nossa evolução como espécie? Nesse caso, será que a tecnologia está redefinindo o que significa ser humano?
Descontando uma grande devastação biológica, como uma epidemia de proporções globais ou um cataclismo climático ou ecológico, somos donos da nossa evolução: nossa transformação como espécie ocorre muito menos devido a mutações aleatórias e ao processo de seleção natural do que, por exemplo, devido a um maior intercâmbio racial, à melhor alimentação e aos avanços da medicina, à integração de tecnologias diversas com o corpo (marca-passos, órgãos e membros artificiais) e com a mente (drogas que mudam nossas emoções, implantes nos olhos e ouvidos, chips no cérebro).
A internet talvez represente uma nova fronteira, a da integração coletiva da humanidade a um nível sem precedentes. Se não no mundo real, ao menos no virtual.
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MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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40 anos de internet
por Marcelo Gleiser
Será que a tecnologia está redefinindo quem somos?
Faz 40 anos que os computadores de Leonard Kleinrock, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, e de Douglas Engelbart, do Instituto de Pesquisas na Universidade de Stanford, foram conectados por uma "linha especial" da Arpanet, um sistema de apenas quatro computadores que faziam parte de um projeto do Departamento de Defesa dos EUA.
Com o passar dos anos, o sistema exclusivo de tráfego de informação evoluiu, saiu dos laboratórios de cientistas para o público e hoje é conhecido como internet.
Não há dúvida de que a internet está transformando o mundo, de que vivemos em meio a uma revolução. A questão, ou uma delas, é que tipo de revolução é essa: será que a internet pode ser comparada, por exemplo, ao telefone ou ao carro, ou mesmo à imprensa de tipo móvel, que revolucionou o livro? Ou será que ela pertence a outra classe de tecnologia, que não só transforma a sociedade mas que vai além, redefinindo quem somos?
A questão é complicada, difícil até de ser formulada. O telefone e o carro transformaram o modo como as pessoas se comunicavam, iam ao trabalho, viajavam, viam o mundo. Como toda tecnologia que se torna de uso público, primeiro começaram pequenos, com alcance limitado: eram poucas as linhas telefônicas e as estradas.
Aos poucos, as coisas foram crescendo e, em meados do século 20, telefones e estradas estavam pelo mundo todo. Uma diferença bem importante é que a internet, por ser acessível por computadores, é bem mais aberta aos jovens.
Telefones celulares também; os jovens têm a sua privacidade, o seu espaço virtual separado do dos pais e irmãos. A comunicação é tão fácil e rápida que chega a tornar o contato direto, em carne e osso, desnecessário.
Talvez seja uma preocupação dos meus leitores mais velhos, que, como eu, nutriam as amizades no campo real e não por meio de sites como Facebook e Twitter, mas será que a internet nos fará desaprender como nos relacionar diretamente com outros seres humanos?
Deixando esse tipo de preocupação de lado, se olharmos para a história da civilização, veremos que podemos contá-la como uma história da tecnologia. À medida que novas tecnologias foram sendo desenvolvidas, do controle do fogo e da rotação de terra na agricultura até a roda, o arado e os transistores e semicondutores usados em aparelhos eletrônicos, nossa história foi, em grande parte, determinada pelas nossas máquinas. Valores e interesses mudam, e visões de mundo se transformam de acordo com nossos instrumentos.
O Homo habilis, nosso ancestral que usou ferramentas pela primeira vez, evoluiu rumo ao Homo sapiens e, agora, este se transforma no Homo conectus. Será que nossos avanços tecnológicos são, hoje, a principal mola da nossa evolução como espécie? Nesse caso, será que a tecnologia está redefinindo o que significa ser humano?
Descontando uma grande devastação biológica, como uma epidemia de proporções globais ou um cataclismo climático ou ecológico, somos donos da nossa evolução: nossa transformação como espécie ocorre muito menos devido a mutações aleatórias e ao processo de seleção natural do que, por exemplo, devido a um maior intercâmbio racial, à melhor alimentação e aos avanços da medicina, à integração de tecnologias diversas com o corpo (marca-passos, órgãos e membros artificiais) e com a mente (drogas que mudam nossas emoções, implantes nos olhos e ouvidos, chips no cérebro).
A internet talvez represente uma nova fronteira, a da integração coletiva da humanidade a um nível sem precedentes. Se não no mundo real, ao menos no virtual.
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MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Profecia pós-Olimpíadas?
Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 2/novembro/2009, no caderno "Ilustrada"
Sambista faz disco enquanto é tempo
por Marcus Preto, da Reportagem Local
Um dos principais compositores da nova geração, Edu Krieger diz que ciclo do samba dura só uns sete anos
O tempo está se esgotando. Dentro de seis ou sete anos, a Lapa carioca, hoje efervescente reduto sambista, estará às moscas. O cavaco, o pandeiro e o tamborim serão instrumentos fora de moda. As rádios segmentadas de música brasileira terão enfraquecido e mudado desse para algum outro nicho — o rock, possivelmente.
A profecia não vem de um roqueiro, mas de Edu Krieger — cantor, compositor e instrumentista carioca que lança agora o segundo álbum, "Correnteza", de vínculos estreitos com tudo isso: Lapa, samba, cavaco, pandeiro e tamborim. "A euforia nacionalista que a gente vive deve chegar ao auge nas Olimpíadas de 2016. Em seguida, virá a sensação de desgaste", aposta.
"O sucesso da Mallu Magalhães, que é uma artista que não tem nada de Brasil, já é o começo disso. Quando esse ufanismo olímpico passar, muitas outras Mallus vão tomar conta do espaço — e com todo o direito."
Krieger afirma que não há nenhum tipo de ressentimento nessa constatação. São ciclos naturais, segundo ele, que necessariamente se fecham e voltam a se abrir décadas adiante. E para os quais ele e seus colegas de geração devem estar bem prepararados.
"Nosso trabalho é agora", diz. "O mercado, hoje, está totalmente aberto para o que a gente está fazendo. Quem construir agora vai permanecer mesmo quando a maré mudar."
"Correnteza", o disco, é pedra importante nessa construção. Reconhece-se em suas faixas o mesmo bom compositor que, nos últimos tempos, vem sendo repetidamente divulgado também por outras vozes (Maria Rita, Roberta Sá, Pedro Luís e a Parede). Mas ouvem-se também ecos vindos da história da música brasileira. Matrizes de diversas frentes e tempos dão sustentação ao trabalho do compositor.
"Ela Entrava" soa Martinho da Vila, "Galileu" tem o mesmo universo ingênuo e sofisticado de Sidney Miller, "A Mais Bonita de Copacabana" tem um quê de Noel Rosa, o violão de "Clareia" remete a João Bosco, "Quando Ela Ri" poderia estar em um disco do Los Hermanos, "Rosa de Açucena" evoca Luiz Gonzaga, "Sobre as Mãos" é puro João Donato — esse, aliás, faz participação na faixa, ao piano.
Krieger detecta, ele mesmo, várias dessas referências. "Um amigo outro dia me disse: "Cara, que maravilhoso esse teu samba do Paulinho da Viola". É um elogio. Todo mundo deveria ter direito de compor seu próprio samba do Paulinho da Viola." Ao menos enquanto o tempo estiver propício para isso.
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CORRENTEZA
Artista: Edu Krieger
Gravadora: Biscoito Fino
Quanto: R$ 30, em média
Sambista faz disco enquanto é tempo
por Marcus Preto, da Reportagem Local
Um dos principais compositores da nova geração, Edu Krieger diz que ciclo do samba dura só uns sete anos
O tempo está se esgotando. Dentro de seis ou sete anos, a Lapa carioca, hoje efervescente reduto sambista, estará às moscas. O cavaco, o pandeiro e o tamborim serão instrumentos fora de moda. As rádios segmentadas de música brasileira terão enfraquecido e mudado desse para algum outro nicho — o rock, possivelmente.
A profecia não vem de um roqueiro, mas de Edu Krieger — cantor, compositor e instrumentista carioca que lança agora o segundo álbum, "Correnteza", de vínculos estreitos com tudo isso: Lapa, samba, cavaco, pandeiro e tamborim. "A euforia nacionalista que a gente vive deve chegar ao auge nas Olimpíadas de 2016. Em seguida, virá a sensação de desgaste", aposta.
"O sucesso da Mallu Magalhães, que é uma artista que não tem nada de Brasil, já é o começo disso. Quando esse ufanismo olímpico passar, muitas outras Mallus vão tomar conta do espaço — e com todo o direito."
Krieger afirma que não há nenhum tipo de ressentimento nessa constatação. São ciclos naturais, segundo ele, que necessariamente se fecham e voltam a se abrir décadas adiante. E para os quais ele e seus colegas de geração devem estar bem prepararados.
"Nosso trabalho é agora", diz. "O mercado, hoje, está totalmente aberto para o que a gente está fazendo. Quem construir agora vai permanecer mesmo quando a maré mudar."
"Correnteza", o disco, é pedra importante nessa construção. Reconhece-se em suas faixas o mesmo bom compositor que, nos últimos tempos, vem sendo repetidamente divulgado também por outras vozes (Maria Rita, Roberta Sá, Pedro Luís e a Parede). Mas ouvem-se também ecos vindos da história da música brasileira. Matrizes de diversas frentes e tempos dão sustentação ao trabalho do compositor.
"Ela Entrava" soa Martinho da Vila, "Galileu" tem o mesmo universo ingênuo e sofisticado de Sidney Miller, "A Mais Bonita de Copacabana" tem um quê de Noel Rosa, o violão de "Clareia" remete a João Bosco, "Quando Ela Ri" poderia estar em um disco do Los Hermanos, "Rosa de Açucena" evoca Luiz Gonzaga, "Sobre as Mãos" é puro João Donato — esse, aliás, faz participação na faixa, ao piano.
Krieger detecta, ele mesmo, várias dessas referências. "Um amigo outro dia me disse: "Cara, que maravilhoso esse teu samba do Paulinho da Viola". É um elogio. Todo mundo deveria ter direito de compor seu próprio samba do Paulinho da Viola." Ao menos enquanto o tempo estiver propício para isso.
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CORRENTEZA
Artista: Edu Krieger
Gravadora: Biscoito Fino
Quanto: R$ 30, em média
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