domingo, 7 de junho de 2009

No mundo das aparências, uma surpresa - parte 2

Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 7/junho/2009, no caderno "Ilustrada" (ver parte 1 no post de 21/abril/2009)

Susan Boyle e o efeito Patinho Feio
por Bia Abramo

Na máquina da hiperexposição, Susan Boyle derrotada vale mais do que vencedora

DUROU SEIS semanas, uma eternidade em termos de tempo-internet.

Essa foi a janela oferecida a Susan Boyle, a escocesa pé-no-chão depois de sua apresentação incrível no "Britain's Got Talent".

Incrível, no sentido de difícil de acreditar, é mesmo a palavra para a primeira aparição de Susan, no longínquo mês de abril deste ano. Os olhares e esgares de incredulidade de todos, jurados e público, quando ela apareceu pela primeira vez no palco não precisam de muita sociologia para explicar. Já dizia tudo: como ela poderia ousar?

É claro que todo mundo adorou se sentir magnânimo ao trocar a incredulidade pela admiração quando ela apareceu cantando "I Dreamed a Dream" no YouTube. A gente nem precisou mesmo manifestar o desagrado, o incômodo — as caras dos jurados e os risos da plateia fizeram isso por nós. É claro que muitos se sentiram aliviados ao ouvir como ela cantava, com paixão e beleza, com afinação e vontade.

Ficamos todos encantados com o contraste entre sua vida apagada e sua coragem de enfrentar um programa de televisão competitivo, em que um e apenas um se sai vencedor (apesar de toda a conversa de que o importante é participar). Conhecemos a capacidade devastadora dos julgamentos de Simon Cowell e, bem, se ele, o sujeito que ganha dinheiro para ser livremente sarcástico, simplesmente "adora" Susan, como ele declarou ao comentar sua performance, quem somos nós para também não adorá-la?

Mas ela não ia mesmo ganhar, ia? Alguém achou que Susan Boyle, mesmo cantando daquele jeito, mesmo possibilitando que milhões de pessoas no mundo inteiro se sentissem bem por acreditar em alguém incrível, seria a vencedora de "Britain's Got Talent"?

Na máquina de moer carne da hiperexposição, ela já teria ido longe demais. Começou a dar defeito — dias antes da final, teria agredido verbalmente repórteres do "The Sun". O efeito Patinho Feio não ia durar para sempre. Mesmo com todo o sucesso, não seria tão marquetável como seus outros concorrentes — um simpático grupo de street dance com o nome mais politicamente correto possível, Diversity, adolescentes talentosos e crianças mais ou menos prodigiosas.

E, claro, derrotada, ela é um prato mais substancioso para voragem da mídia — ainda por cima para o apetite dos terríveis tabloides ingleses.

Na letra da canção que a consagrou, há tigres que vem com a noite e transformam os sonhos em vergonha. Na história real, eles vem a qualquer momento.

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