sexta-feira, 17 de abril de 2009

A paz perdida?

Texto publicado no "JBonline", página "Cultura" de 14/abril/2009, fonte: http://jbonline.terra.com.br/pextra/2009/04/13/e130419391.asp

O barulhinho do modem já foi prazeroso. Ele sumiu e a nossa paz também
por Mario Marques, Jornal do Brasil

RIO - Tenho 30 minutos para jantar. Tempo suficiente para que meu PC 286 baixe uma homepage de conteúdo, essencialmente, de texto. Da cozinha ouço o início da conexão, aquele barulhinho de fax quase “digital”. No meio da transmissão dos dados, cai tudo. E, animadíssimo, lembro-me que acionei o recurso automático.

Degustando o resto do nada suculento frango com arroz, com a cabeça na luz do monitor do quarto quase escuro, corro para aguardar a página da internet que me levará a um mundo virtual que nem na ficção científica foi tão bem planejado. É claro que o ano não é este corrente.

Falamos de 1995, época em que, creia, encontrávamos nas bancas uma revista que fornecia... endereços de homepages (o termo site surgiu tempos depois)! Minha namorada, também jornalista, sentenciava-me que aquele era o futuro.

Naquela década, eu enfrentara, por favor, sem o saudosismo medíocre dos chatos, a confecção das páginas de jornal com uma faquinha olfa, usada para abrir janelas nas prints e alocar as fotos (fotos de verdade). Dentro de um pastão, carregávamos montes de papéis, retratos fixados em clipes, rabiscos de medidas a lápis. E aguardávamos um ou dois dias, dependendo do fluxo da gráfica, para aprovarmos os fotolitos. Não dá a menor saudade.

Por isso, naquela noite em que escutei, prazeroso, aquele “barulhinho bom” do modem, tive a certeza de que o mundo, como bem apregoara minha namorada, mudaria. Eu só não sabia que meu estresse, a partir dali, aumentaria em doses colossais.

Pesquisas como a de David Sheffield, acadêmico da Universidade de Staffordshire, na Grã-Bretanha, indicam que as pessoas que têm telefones celulares conectados à internet são mais estressadas e irritadiças. Os usuários mentiam sobre o quanto usavam o aparelho, ficavam irritados depois de utilizá-lo ou se mostravam excessivamente preocupados com o celular.

Sheffield descobriu que eles apresentavam pressão arterial mais baixa depois de abandonar os celulares. É assim que me sinto quando olho para o lado, na cama, para a frente, na mesa, para baixo, o bolso. Em todas as direções para as quais meus olhos apontam está o tal do Blackberry.

Nos últimos dois meses decerto olhei mais para o aparelho do que para o rosto de minha bem-vinda recém-nascida. Para um sujeito como eu, que jamais conseguiu se desligar do trabalho – desde 1995, com o clássico tijolão da Motorola, nunca saí de casa sem o celular no bolso – o Blackberry é mais companheiro do que minha própria mulher. Agrava-se à situação minha mobilização: cadastrei três e-mails diferentes no smartphone. Isso quer dizer que pulsam, vibrando, diariamente, mais de mil e-mails na minha caixa de entrada.

Posso dizer, sem dor, que minha vida é cheia das vibrações. Já respondi a sugestões de pauta às três, quatro da manhã. Aliás, são os horários em que mais costumo dar retornos das solicitações de assessores ou leitores. Pior: quando pinta uma ideia, mando e-mail na mesma hora aos repórteres, faço planejamentos e monto pautas.

Sou um escravo do Blackberry. Ou do que há “dentro” dele. Não estou sozinho nesse mundo de Meu Deus. Tenho pares. Sinto que, quando envio e-mails para outros Blackberrymaníacos, as respostas também chegam em instantes. Isso quer dizer que eles também são movidos à vibraçãozinha diária. Como eu, não desligam.

Outros estudos são mais alarmantes. A Academia Americana da Medicina do Sono em Westchester, no estado de Illinois, EUA, diz que os jovens que usam em excesso seus telefones celulares têm mais dificuldade para dormir e sofrem de estresse e fadiga. O relatório se baseia no cotidiano de 21 jovens entre 14 e 20 anos, com boa saúde e sem problemas de sono. Os que usavam o telefone de forma excessiva mostraram um estilo de vida descuidado, maior consumo de bebidas estimulantes, dificuldades para dormir, além de maior suscetibilidade ao estresse e à fadiga.

Pesquisa recente da Pew Internet & American Life Project mostra que trabalhadores conectados estão mais propensos ao estresse: “Enquanto estas pessoas reconhecem a flexibilidade que tal parafernália lhes proporciona, muitos trabalhadores dizem que estes gadgets também trazem estresse e novas demandas para suas vidas”, diz o estudo.

Para um cidadão obsessivo como eu, o Blackberry virou quase uma doença. No caminho para casa ou na ida para o trabalho, são incontáveis as vezes em que me desligo do volante e checo meus e-mails. Respondo-os a 60/70 km por hora, transgredindo todas as possíveis leis de trânsito. Estou pedindo um acidente.

Neste momento, com a mão quase a tremer, olho-o de soslaio, dentro da capinha de couro, em cima da mesa, pedindo para ser tocado. Estou entre ele e as 19 linhas que faltam para dar o ponto final neste espaço.

Não vou finalizar as reflexões acima como os que, erroneamente, dizem que o mundo (e o jornalismo) de antigamente é que era melhor, sem Blackberrys, PCs e demais tecnologias à disposição. Não era mesmo.

Graças a eles temos, hoje, repórteres mais informados, mais preparados, mais ligados. Imprensa mais atenta, mais interligada com o leitor, mais forte. Mais preguiçosa também – são inúmeros os casos em que uma entrevista por telefone ou ao vivo é trocada por outra via e-mail sem a menor necessidade. Mas esse papo de que “antigamente é que era bom” é também muito preguiçoso. Esse saudosismo bobo, de achar que o mundo era melhor “no meu tempo”. Não era, não.
------
Três discos recém-lançados competem de igual para igual com os e-mails de meu Blackberry, no (longo) caminho de volta à casa (Caetano, Zii e Zie; Guinga e Paulo Sérgio Santos, Saudade do cordão; Diana Krall, Quiet nights).
------
E agora, Dinamite? Para onde você vai nos levar?
19:14 - 13/04/2009

Nenhum comentário: