Este texto foi publicado na "Revista da Folha", 22/junho/2008, suplemento dominical do jornal "Folha de S.Paulo". Serve pra gente de toda idade.
Um adolescente de 60 anos
por Francisco Daudt, psicanalista
Acabei de completar 60 anos. A velhice e a morte começam a me assombrar. O que fazer?
É coincidência, mas minha carteira de identidade me diz que também completei 60 anos recentemente. É sempre um marco. Quando eu tinha uns 20, considerava que uma pessoa de 60 era um ancião quase morto.
Alguém disse que "a vida é uma doença sexualmente transmissível com 100% de fatalidade". Mas, como a lepra, é de deterioração lenta, o que nos faz ir nos acostumando com seu avanço. Ou mesmo desfrutando da nossa única idade: estamos vivos.
Reparei que minha idade varia, ignorando o que diz o RG. A maior parte do tempo tenho 25. É muito confortável. Em outras horas (ou dias) tenho 17, o que é uma delícia, pois ter 17 aos 60 é ser um adolescente com sustento próprio, sabedoria de vida, sem precisar obedecer ou prestar contas a ninguém.
É mais raro, mas, às vezes, tenho dez. Aí, é uma festa de curiosidades, invenções e brincadeiras. Tudo isso com um programa "gente grande" dentro da minha cabeça, que existe exclusivamente para proteger a criança e o adolescente, e deixá-los brincar à vontade.
Minha mãe está com 95 e diz que "a velhice é aquela coisa" (ela não fala palavrão). Tem suas razões, pois a despeito de uma cabeça ótima, mal vê, mal fala, mal ouve, mal anda. É capaz que a vontade de viver lhe suma, como sumiu de meu pai aos 102. Ele, então, se retirou para dentro de si e morreu em dois meses.
De qualquer maneira, alguém mais disse: "A morte é um momento, e não há de me roubar da vida mais do que isso: seu momento".
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