sábado, 20 de junho de 2009

O eterno boêmio

Texto publicado no jornal "O Estado de S.Paulo" de 20/junho/2009, no "Caderno 2"

Os 90 anos do eterno boêmio Nelson Gonçalves
por Lauro Lisboa Garcia

DVD com um programa de tevê de 1981 e outro que vai ao ar na Cultura amanhã celebram o aniversário do cantor gaúcho

Dois programas de televisão, um de 1981 recém-lançado em DVD e outro que vai ao ar amanhã às 20h30 pela Cultura, fazem um bom apanhado da história de um dos mais populares e pungentes cantores que este país já teve: o eterno boêmio Nelson Gonçalves (1919-1998).

O motivo é de festa por sua memória: a comemoração de seus 90 anos de nascimento.

O especial "Nelson Gonçalves - 40 Anos", da TV Globo, que sai agora no DVD "Eternamente Nelson", pela Sony Music, começa com a voz em off do cantor fazendo uma síntese precisa da própria biografia: "Meu nome é Antonio Gonçalves Sobral, gaúcho de Livramento. Minha vida sempre foi uma luta; minha arma, minha voz. Meu escudo, minha mulher, Maria Luiza, meu destino: cantar."

Nos extras, entre outras histórias (algumas cômicas, outras barra-pesada) conta como foi rejeitado no início por Ary Barroso (1903-1964) em seu programa de rádio. Nelson comemorava então 40 anos de carreira, nos quais nunca faltaram parceiros fiéis, como o célebre compositor Nelson Cavaquinho (1911-1986), que o acompanha aqui ao violão em "O Dono das Calçadas", que ele diz ter feito pensando no cantor. "Como é bom a gente ser amigo, como é bom a gente ser querido", diz a letra do samba, que traduz bem o momento de Nelson, então se recuperando do vício em drogas: "Eu que já vaguei nas madrugadas e já fui o dono das calçadas/ Pra todos aqueles que me estenderam a mão/ Dividi meu coração."

Alguns de seus grandes sucessos estão presentes nos números musicais: "Negue", "Fica Comigo Esta Noite", "A Volta do Boêmio", "Escultura" e "Meu Vício É Você" — todas com a assinatura de Adelino Moreira, um dos autores mais gravados por Nelson, bem como a dupla Jair Amorim e Evaldo Gouveia (de "A Despedida" e outras).

Nelson também aparece em dueto virtual com Orlando Silva (1915-1978), a quem homenageia com Pedestal de Lágrimas, mais uma de Adelino Moreira. Com Orlando e Francisco Alves (1898-1952), Nelson formou aquela que ficou conhecida como a suprema trindade vocal masculina da era do rádio.

Ao contrário de seus contemporâneos, porém, o último remanescente do estilo de voz empostada não ficou preso ao passado.

No auge do sucesso caiu no ostracismo ao se atolar na cocaína e foi até preso por conta disso em 1963. Passado o pesadelo, porém, Nelson levantou-se lentamente e a partir da década de 1970, modernizando o repertório, gravou com diversos de seus admiradores — incluindo Maria Bethânia, Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Lobão. No programa da Globo, exibido em 1981, com a voz recuperada, dividiu o microfone com as então novatas Alcione e Fafá de Belém.

"A Volta do Boêmio", sua assinatura musical, é prefixo tanto do especial da Globo, como de "Mosaicos", da Cultura, narrado por Rolando Boldrin.

Como nos outros da série, este resulta de um apanhado de imagens do acervo da emissora, com registros de Nelson em programas como "Metrópole", "Ensaio" e "Bem Brasil".

Edith Veiga, Caçulinha, Adelino Moreira, Altemar Dutra Jr. e outros lembram Nelson em depoimentos e interpretações inéditas para alguns clássicos que ele imortalizou, como "Maria Bethânia" (Capiba), "Caminhemos" (Herivelto Martins) e "Alguém me Disse" (Evaldo Gouveia/Jair Amorim).

Em quase 60 anos de carreira, ele cantou muito samba-canção, estilo romântico que o consagrou, mas também tango, bolero, toada, valsa, fado, modinha, choro e outros gêneros clássicos.

Gravou mais de 2 mil canções em 183 discos de 78 RPM, cerca de 100 compactos e 100 LPs, vendendo em torno de 53 milhões de exemplares desses registros todos.

Sem dúvida, números impressionantes. Não é pra qualquer um.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

DJs de iPods... ou personal ipodders

Texto publicado no "Jornal da Tarde", de 19/junho/2009, seção "Variedades"

Baile de um homem só
por Felipe Branco Cruz, felipe.cruz@grupoestado.com.br

DJs de iPods ganham a vida fazendo trilha sonora sob medida para clientes

A vida ganhou trilha sonora até para fila de banco desde que a música decretou sua liberdade de meios físicos nada portáteis como CDs, fitas e LPs e foi parar nos minúsculos iPods. Agora, um novo personagem ganha força nesse bailão individual: os DJs de iPods, mais conhecidos como personal ipodders. Especializados em combinar canções segundo o perfil de cada cliente, que pode ser uma pessoa ou um restaurante, essas figuras ganharam força.

Há três anos, antes de o aparelho se popularizar, os principais clientes eram ouvintes que queriam consumir música sem se digladiarem com a tecnologia. Assim, procuravam alguém que fizesse ‘o serviço sujo’ de baixar as músicas para eles. Com a popularização do tocador digital, o perfil da freguesia mudou.

Hoje, quem mais procura por um personal são restaurantes e hotéis que aproveitaram para jogar fora centenas de CDs que ocupavam espaço debaixo do balcão por apenas um iPod, capaz de armazenar até 30 dias de músicas.

Pessoas comuns também continuam requisitando seus serviços, mas agora eles buscam por novidades e por playlists personalizadas. “Meu público são as pessoas que querem sonorizar sua vida. Converso com cada um dos meus clientes, descubro seus hábitos e gostos musicais e faço a seleção”, explica Dodô.

Hugo Delgado, um dos sócios do restaurante Obá, contratou os serviços de Cris Naumovs. Com o que conheceu, compara o trabalho de um personal ipodder ao de um decorador. “A música, assim como os quadros e a decoração, não é a protagonista de um restaurante. Mas esses elementos são responsáveis por criar uma atmosfera mais agradável”, diz. Para o restaurante, a DJ de iPod Cris fez 60 playlists diferentes: 30 para o almoço e 30 para o jantar. “Assim temos músicas diferentes durante todo o mês”, diz Delgado.

Mais do que agradar aos clientes, a música ambiente evitou que o dono do restaurante parasse de se preocupar com a música e se focasse apenas na cozinha. “As vezes o CD tocava várias vezes seguidas e os garçons não aguentavam mais ouvir a mesma música”, diz. Cris conta que começou a trabalhar com isso por acaso. “Por trabalhar como DJ, me perguntaram se eu sabia mexer com iPod. Fiz para uma amiga, que recomendou a outra, e assim foi”, explica.

A mesma história conta DJ Dodô Azevedo, responsável por cunhar o termo personal ipodder. Ele chega a receber por mês até 20 pedidos de downloads personalizados. “Mas eu só pego quatro trabalhos por mês. Chego a escolher mais de mil músicas para cada cliente. Para fazer o trabalho bem feito é preciso tempo”, diz o DJ. No momento da entrevista, ele estava comprando músicas nigerianas em um site para um freguês.

Dodô também é autor do livro DJ Pessoal - Uma Áudio Ajuda, uma espécie de manual do personal ipodder. “No livro, ensino como fazer bons playlists e dou sugestões de músicas essenciais para se ouvir quando estiver com gripe, quando levar um pé na bunda ou para malhar.”

O DJ destaca também que todas as músicas são compradas legalmente em sites como iTunes e Uol Store. “Um personal stylist vai com você até a loja, diz quais roupas você deve comprar. Ele ganha 25% em cima do que você gastar. É a mesma coisa comigo. Digo quais músicas a pessoa deve comprar e cobro 25% em cima do valor da compra.” Se o mês for muito bom, o DJ chega a ganhar até R$8 mil.

Dodô diferencia seu trabalho do de um mero técnico em informática. “Se um ricaço me pede para transformar todos seus CDs em MP3, esse não é um trabalho de ipodder e sim de um técnico em informática.” Entre as pessoas que já contrataram os serviços de Dodô, estão o técnico de basquete Bernadinho e a atleta Fernanda Venturini, além de Ana Paula Araújo e Astrid Fontenelle.

O DJ Rafa Nunes se mudou para a França há dois anos. Por lá as coisas são mais complicadas e não existe este mercado. “Aqui na França as pessoas baixam gratuitamente podcasts com programas de rádios.” No Brasil, ele adicionava nos iPods de seus clientes remix de canções que discotecava a noite. “Antes, eu vendia CDs e DVDs. Depois, passei a vender os MP3 direto nos iPods.”

MÚSICA E GRIPE

Dodô Azevedo, autor do livro DJ Pessoal - Uma Audio Ajuda, aproveita o inverno e sugere uma lista com as melhores músicas para se ouvir enquanto estiver resfriado.

‘Becha By Goly, Wow’ - The Stylistcs. “Delicioso groove Motown com vocais em falsetes curativos enviados do céu.”

‘Hands of Time’ - Groove Armada. “Chega junto discreto como um gato que se ajeita no pé.”

‘Shaolim Satellite’ - Thievery Corporation. “Limão e gripe, tudo a ver.”

‘Liebestraum No. 3 em Lá, Op. 62, S. 541 - Claudio Arau.“Essa peça de Lizt ao piano de Claudio Arau é um paracetamol definitivo.”

‘Breathe Me’ - Siá. “A voz sussurrada é Vaporub espalhado no peito pela mãe.”

’Só quero um Xodó’ - Gilberto Gil. “Uma das vantagens em ficar gripado é poder fazer-se de vítima.”

‘Silk Road’ - Yu Xiao Guang. “Música de acupuntura.”

‘It never entered in my mind’ - Miles Davis Quintet “jazz, música curativa.”

A pedido do ‘JT’, o DJ e personal ipodder Dodô Azevedo conta como fazer para montar um playlist pessoal perfeito.

Não tenha medo de novidades.

Novas músicas surgem todos os dias. Algumas são boas, outras nem tanto.

Um dos segredos para uma boa trilha sonora é trabalhar com sua memória afetiva. Descubra qual música traz para sua mente boas recordações.

Como montar uma trilha para o outro ouvir

Para o amigo, a namorada ou quem sabe até um futuro cliente, Dodô dá as dicas para montar trilha dos outros.

A maioria das pessoas gosta de músicas comuns. Mas isso não quer dizer que a música tenha de cair no lugar comum.

O ideal é ter bom humor. Não é brega, por exemplo, escolher 'Sandra Rosa Madalena', do Sidney Magal, se for feito com criatividade.

Com a namorada, o segredo é a ‘fofura’. E o bom humor anda muito próximo da ‘fofura’. Para entender o que é essa tal de ‘fofura’, basta ouvir a trilha sonora do filme ‘Juno’.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Goodbye, Virgin Megastore! - parte 2

Texto publicado no portal do jornal "O Globo" de 15/junho/2009 às 12h05m
— ver texto anterior "Goodbye, Virgin Megastore" em 04/março/2009



"DINOSSAURO"
Última loja da Virgin nos Estados Unidos fecha as portas

RIO - Caiu, no domingo [14/junho/2009], mais um símbolo da combalida indústria musical. Incapaz de concorrer com a crise econômica e os novos suportes digitais, a gigantesca Virgin Megastore da Union Square, loja-referência da cadeia de venda de discos, fechou definitivamente as portas.

Esta e uma pequena loja em Hollywood eram as últimas remanescentes da outrora poderosa rede ainda ativas. Em seu último dia, os descontos nos produtos chegaram a 90 por cento.

"Infelizmente, as grandes lojas de varejo de música viraram um dinossauro", lamentou, ao jornal "The New York Times", o ex-empregado da Virgin Tony Beliech, de 39 anos, com um punhado de CDs nas mãos que, somados, custaram-lhe menos de US$ 20. "Mas isso aqui funcionava também como um ponto de encontro social, algo que a compra de música pela internet não pode oferecer".

A Virgin segue o mesmo caminho de outras redes de varejo, como a britânica HMV (que encerrou atividades no país em 2004) e a Tower Records (que fechou suas 89 lojas nos Estados Unidos em 2006).

Para o analista financeiro Michael McGuire, "o 'Titanic' que são os suportes físicos começou a afundar lentamente em 2000, algo traumático para os empregados neste negócio, mas previsível dentro desta transição para o modelo digital".

De acordo com a empresa de consultoria Nielsen SoundScan, desde 2000, quando 785 milhões de unidades foram vendidas, a indústria amarga uma queda de 45% nas vendas de discos.

Dezenas de lojas independentes, porém, resistem em Nova York e, de acordo com a Almighty Institute of Music Retail, uma companhia de pesquisa de mercado, há cerca de 2 mil estabelecimentos do tipo nos Estados Unidos. Mas quem irá comprar nelas?

Max Redinger, de 14 anos, passeava com seu cão na frente da Virgin moribunda no domingo e acabou comprando alguns bonecos do game 'Guitar hero', além de livros de 'anime'.

Ao "New York Times", Redinger contou que compra músicas pelo iTunes e mencionou que um amigo o levou recentemente a uma loja de música "física". "Era um lugar bem legal, mas realmente não vou comprar nada lá".

A Virgin ainda mantém lojas abertas na Europa e no Oriente Médio.

sábado, 13 de junho de 2009

"O Futuro da Música Depois da Morte do CD"

Texto publicado no site "estadao.com.br" em 26/maio/2009, no blog de João Luiz Sampaio ("Música clássica... e um pouco de tudo")

O futuro da música
por João Luiz Sampaio

“Fala-se muito no crescimento das vendas de música digital; porém, o que parece estar em questão, aqui, é menos o CD como suporte físico do que sua condição de protagonista e sujeito único da difusão de música no planeta. É nesse sentido que nos soa legítimo falar na morte do CD. Porque talvez não estejamos simplesmente diante de mais um período de substituição de formatos, em que o CD, depois de tomar a primazia do vinil, estaria cedendo seu lugar ao, digamos, MP3. O cenário atual parece consideravelmente mais complexo, colocando em xeque o próprio paradigma de circulação global de bens culturais.”

O trecho acima foi retirado da introdução de Irineu Franco Perpetuo para “O Futuro da Música Depois da Morte do CD”, que ele organizou ao lado de Sergio Amadeu da Silveira. É um livro primoroso. Parte do princípio que a morte do CD nos leva além da discussão de formatos, redefine toda a distribuição – e, mais do que isso, a própria dinâmica da criação musical. O pianista Eduardo Monteiro, por exemplo, fala do impacto das novas tecnologias sobre o estudo do piano – e o tipo de pianista que começa a ser formado. A relação estreita entre criação musical e avanço tecnológico é tema do compositor Harry Crowl, que em seu texto faz um panorama histórico dessa relação, tocando, inclusive, na questão dos direitos do autor na era da internet. E por aí vai, com textos do próprio Sergio Amadeu, de André Mehmari, Penna Schmidt, Ricardo Bernardes, Chico Pinheiro e por aí vai. Em resumo: é um livro que pega um tema bastante atual e o aborda fugindo do óbvio, com texto de gente que vive a música e analisa os impactos da tecnologia no dia a dia, capazes de demonstrar experiências próprias e ir mais além em suas discussões. Detalhe importante: o livro está disponível gratuitamente na internet, no site http://www.futurodamusica.com.br/

domingo, 7 de junho de 2009

No mundo das aparências, uma surpresa - parte 2

Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 7/junho/2009, no caderno "Ilustrada" (ver parte 1 no post de 21/abril/2009)

Susan Boyle e o efeito Patinho Feio
por Bia Abramo

Na máquina da hiperexposição, Susan Boyle derrotada vale mais do que vencedora

DUROU SEIS semanas, uma eternidade em termos de tempo-internet.

Essa foi a janela oferecida a Susan Boyle, a escocesa pé-no-chão depois de sua apresentação incrível no "Britain's Got Talent".

Incrível, no sentido de difícil de acreditar, é mesmo a palavra para a primeira aparição de Susan, no longínquo mês de abril deste ano. Os olhares e esgares de incredulidade de todos, jurados e público, quando ela apareceu pela primeira vez no palco não precisam de muita sociologia para explicar. Já dizia tudo: como ela poderia ousar?

É claro que todo mundo adorou se sentir magnânimo ao trocar a incredulidade pela admiração quando ela apareceu cantando "I Dreamed a Dream" no YouTube. A gente nem precisou mesmo manifestar o desagrado, o incômodo — as caras dos jurados e os risos da plateia fizeram isso por nós. É claro que muitos se sentiram aliviados ao ouvir como ela cantava, com paixão e beleza, com afinação e vontade.

Ficamos todos encantados com o contraste entre sua vida apagada e sua coragem de enfrentar um programa de televisão competitivo, em que um e apenas um se sai vencedor (apesar de toda a conversa de que o importante é participar). Conhecemos a capacidade devastadora dos julgamentos de Simon Cowell e, bem, se ele, o sujeito que ganha dinheiro para ser livremente sarcástico, simplesmente "adora" Susan, como ele declarou ao comentar sua performance, quem somos nós para também não adorá-la?

Mas ela não ia mesmo ganhar, ia? Alguém achou que Susan Boyle, mesmo cantando daquele jeito, mesmo possibilitando que milhões de pessoas no mundo inteiro se sentissem bem por acreditar em alguém incrível, seria a vencedora de "Britain's Got Talent"?

Na máquina de moer carne da hiperexposição, ela já teria ido longe demais. Começou a dar defeito — dias antes da final, teria agredido verbalmente repórteres do "The Sun". O efeito Patinho Feio não ia durar para sempre. Mesmo com todo o sucesso, não seria tão marquetável como seus outros concorrentes — um simpático grupo de street dance com o nome mais politicamente correto possível, Diversity, adolescentes talentosos e crianças mais ou menos prodigiosas.

E, claro, derrotada, ela é um prato mais substancioso para voragem da mídia — ainda por cima para o apetite dos terríveis tabloides ingleses.

Na letra da canção que a consagrou, há tigres que vem com a noite e transformam os sonhos em vergonha. Na história real, eles vem a qualquer momento.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Bônus é a saída para vender CDs?

Texto publicado no site "globo.com" de 15/maio/2009 às 08h30m, tradução de "The New York Times"

Vale-tudo
Músicas-bônus estão se tornando uma nova e controvertida regra na indústria

RIO - Se você quiser comprar o novo álbum da Dave Matthews Band, em junho, terá algumas escolhas a fazer. Há o CD normal, com 13 faixas. Há a versão "deluxe", que inclui um documentário em DVD, e também uma caixa "super deluxe": por 60 dólares (cerca de R$ 126), você leva para casa quatro canções extras, um livro de fotos de 40 páginas, 14 litografias de Matthews e um tributo de 24 páginas a LeRoi Moore, o saxofonista da banda morto em 2008. Se você comprar pelo site do grupo, http://www.davematthewsband.com/ , cada CD vem ainda com um disco ao vivo adicional. E o iTunes está vendendo a versão "simples" por 10 dólares e outra, por 20 dólares, que inclui ainda mais canções e vídeos-bônus.

No dia 1º de junho, a Dave Matthews band vai fazer um show no Beacon Theatre, em Nova York, que será transmitido em alta definição pelo Fuse, um canal a cabo pertencente à empresa promotora do concerto, a Madison Square Garden Entertainment (com 2,8 mil lugares, o Beacon é uma fração do tamanho dos lugares onde a banda normalmente se apresenta, e a renda irá para a caridade).

Assim como a indústria se adapta às mudanças do mercado, o álbum não é mais simplesmente uma discreta coleção de canções, mas um pacote que muda de tamanho, formato e preço, dependendo de como é vendido. E a promoção, que já foi simplesmente um processo de fazer um vídeo e visitar estações de rádio, está se transformando num labirinto de ações exclusivas feitas em parceria com grandes empresas de varejo e mídia — da Amazon e iTunes à Rhapsody e Wal-Mart — todas ávidas para se associarem aos grandes talentos.

Com as vendas de música em queda, as gravadoras estão felizes com os novos arranjos comerciais; muitos dos atuais contratos de gravação agora estipulam que os artistas devem entregar músicas adicionais para promoção de seus novos álbuns. Mas os músicos e seus empresários não estão assim tão dispostos a concordar com isso. Alguns reclamam de sofrerem intimidação de varejistas poderosos, bem como de seus próprios selos, para que encham seus discos com material secundário, muitas vezes inferior.

— Você tem um álbum de 12 músicas, e aí de repente precisa de mais duas para o Target, outras duas para o Wal-Mart, e mais algumas para o Best Buy — diz Jim Guerinot, que empresaria os grupos No Doubt e Nine Inch Nails. — Você acabou de gravar e está começando a planejar o lançamento, e eles só querem saber quando você vai gravar de novo — reclama ele.

Jay Marciano, presidente do Madison Square Garden Entertainment, diz que acordos como o que sua companhia fez com a Dave Matthews Band são interessantes para os artistas porque ajudam a equilibrar as perdas nos orçamentos das grandes gravadoras. Desde 2000, as vendas de discos caíram 45 por cento, de acordo com a empresa de consultoria Nielsen SoundScan.

— Os artistas não podem mais depender das gravadoras para executar suas estratégias de lançamento — diz Marciano. — Eles têm que enxergar além. Mas em muitos casos as próprias gravadoras são as intermediárias desses novos negócios, que modificam a noção de exclusividade. Para seu álbum "21st century breakdown", que será lançado pelo selo Reprise nesta sexta-feira, o Green Day está vendendo duas versões no iTunes: uma tem duas canções extras, e ambas vêm com outras duas músicas-bônus para as compras antecipadas.

O Rhapsody, outro serviço de download, tem sua própria coleção de músicas complementares da banda. Verizon Wireless, Comcast e MySpace também oferecem vídeos exclusivos de apresentações recentes do Green Day em Nova York e Oakland. Ed Ruth, diretor de conteúdo digital e programação da Verizon, diz que a busca por exclusividade é estimulada pelas empresas competidoras.

Nostalgicamente, a estratégia de oferecer extras traz de volta o velho lado B. Executivos, empresários e grandes varejistas dizem que isso tem se tornado mais urgente com a ascensão dos serviços online e o desaparecimento das grandes cadeias de discos, como a Virgin Megastore, que fechará sua última loja nos Estados Unidos no próximo verão. Vendedores online como Amazon.com e iTunes, bem como as grandes redes de varejo, como Best Buy e Wal-Mart, competem para vender conteúdo de entretenimento que os fãs não poderão encontrar em nenhum outro lugar. E quando elas conseguem este conteúdo exclusivo, passam a promovê-lo agressivamente.

Mike Bair, presidente da MSG Media, que opera o Fuse, espera fazer arranjos como o que fez com a Dave Matthews Band uma vez por mês. Ele diz que ainda há a opção de compartilhar com os artistas e gravadoras parte da receita dos negócios obtidas com patrocínio.

— Os shows se tornaram apenas uma engrenagem numa estratégia de promoção muito maior. Estamos ajudando Dave Matthews a vender ingressos, mas estamos oferecendo muito mais — diz Bair.

Entretanto, nem todos os artistas estão dispostos a dar os braços alegremente a um varejista ou a uma TV a cabo. Embora poucos artistas ou empresários venham a público se queixar, por medo de retaliações, muitos dizem que os "pedidos" dos varejistas por conteúdo são demandas efetivas, e que a recusa a cumpri-las pode resultar num freio na promoção de seus albuns. Empresários e alguns selos também argumentam que um disco feito para proveito de uma empresa pode comprometê-lo artisticamente, quebrar sua unidade como produto criativo e incluir nele material secundário.

— Quanto mais conteúdo de um artista você torna disponível, menos interessante ele se torna — diz Jeff Antebi, da Waxploitation Artists, que empresaria Gnarls Barkley e Danger Mouse.

Um representante da Wal-Mart negou que a rede exija conteúdo exclusivo para "apresentar" um álbum. Porta-vozes da Apple e Best Buy não quiseram comentar o assunto.

Recentemente, os Beastie Boys liberaram algumas músicas inéditas sem nenhum anúncio. A banda escondeu um single de sete polegadas com duas novas músicas em cópias aleatórias da versão em vinil do relançamento do álbum "Check your head", de 1992. Quando os fãs começaram a encontrar os discos, blogs de música compararam a estratégia aos bilhetes dourados de "A fantástica fábrica de chocolate".

— Nossa filosofia é que, se temos que promover algo, devemos encontrar uma forma de nos divertir com isso - disse o beastie boy Adam Yauch. - Mas quando você tem que fazer isso para 20 lugares diferentes, perde a sua força.

sábado, 9 de maio de 2009

Os 80 anos de um artista seminal

Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 09/maio/2009, no caderno "Opinião"

Rapaz de bem
por Ruy Castro

RIO DE JANEIRO - O pianista, compositor e cantor Johnny Alf fará 80 anos no dia 19 próximo. Se todos os artistas que ele influenciou se dessem as mãos, a corrente humana iria de Vila Isabel, na zona norte do Rio, onde nasceu, em 1929, a Santo André, no ABC paulista, onde mora há dois anos, numa casa de repouso, desde que se submeteu a uma cirurgia e a um longo tratamento.

Exceto por alguns shows promovidos por seus fãs — Leny Andrade, Alayde Costa, Emilio Santiago, Cibele Codonho —, não se sabe de homenagens à altura da sua importância. Neste aniversário, ele mereceria um ciclo inteiro de espetáculos reunindo músicos de sua turma (ainda há muitos na praça) e das gerações mais novas, reconstruindo sua obra em vários contextos: orquestra, pequeno conjunto, piano solo, vozes, gafieira, jam session.

Os museus da Imagem e do Som do Rio e de São Paulo promoveriam palestras e debates sobre o estado de coisas na música popular quando ele apareceu ao piano de uma boate carioca em 1952 e de como, pouco depois, tivemos a bossa nova. O próprio Johnny gravaria um extenso depoimento para esses museus. Uma TV produziria um especial a seu respeito. Uma editora lançaria seu songbook. E seus discos, sempre difíceis de encontrar, seriam relançados. Mas não há nada disso programado.

Johnny não tem aposentadoria nem plano de saúde. Vive de uma pequena poupança e dos caraminguás de seus direitos autorais — e olhe que ele é o autor dos sambas "Rapaz de Bem" e "Fim de Semana em Eldorado", do baião "Céu e Mar", dos sambas-canção "O Que é Amar" e "Eu e a Brisa" e de muitos outros standards da música brasileira. Os 80 anos de Johnny começam daqui a alguns dias e levarão um ano para se completar. Ainda há tempo para homenageá-lo. De preferência, com ele ao piano.