Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo", de 7/julho/2012, seção "Opinião"
Quando o dia chegou
por Ruy Castro
RIO DE JANEIRO — Para quem gosta de cinema é um dos melhores sebos do Rio. Aliás, leva o nome de um filme de Chaplin. E, como todo sebo do gênero, tem também discos. Visitei-o outro dia e, ao espiar casualmente os CDs, a surpresa. Um estoque de primeiríssima — a maioria, importados, e muitos, lacrados, virgens, em edições de luxo e superluxo.
Lá estava o fino do jazz de todos os tempos. Duke Ellington, Count Basie, Benny Goodman. Os gigantes do sax-tenor, Lester Young, Sonny Rollins, John Coltrane. CDs duplos, triplos e quádruplos de Charles Mingus, Miles Davis, Modern Jazz Quartet. A caixa do trompetista Clifford Brown, na Mercury, com dez CDs. Em outra bancada, os clássicos. Estojos e estojos de Mozart, Beethoven, Wagner. Ou de Ravel, Mahler, Stravinsky. Os pianistas definitivos, as orquestras fundamentais, os solistas desse ou daquele instrumento.
Fui ao balcão. Perguntei se aquele acervo era de uma loja de CDs que tivera a infelicidade de falir. O lojista respondeu que não, que tudo viera de um colecionador. Não me disse o nome do homem nem lhe perguntei, mas me deu a ficha.
Tratava-se de um cinquentão, profissional bem-sucedido e comprador compulsivo. Ao entrar numa loja no Rio, em Nova York ou Paris, saía com dezenas, centenas de discos. Muitos mais do que a sua capacidade de escutá-los. Mas tudo bem: estava se estocando para quando se aposentasse. Aí, sim, mandaria vir os chinelos, relaxaria e ouviria a grande música.
Há um ano, a aposentadoria chegou. Nas primeiras semanas, ele cumpriu seu projeto e começou a tocar os discos. Mas, aos poucos, desconfiou de que bom mesmo era sair à rua, andar à toa, namorar, tomar um chope, desfrutar a praia, os amigos, o Rio. Finalmente, convenceu-se: aposentadoria era isso. Para evitar recaídas, chamou o sebo e vendeu tudo de uma vez — 5.000 CDs.
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