Texto publicado no portal "Estadao" em 25 de maio de 2012, 12h46
Gal Costa desafina e sofre em estreia de show
por João Luiz Vieira
Gal Costa está rouca e desafinou como se iniciante fosse em sua apresentação de estreia do show Recanto no HSBC, em São Paulo, na noite de quinta-feira (24). Isso corresponde a, por exemplo, eu estar incapacitado de continuar a escrever esse texto, como se estivesse com os movimentos dos braços ou o cérebro comprometidos. Uma cantora está refém de suas cordas vocais, e as da Gal estavam baqueadas, consequência da série de infecções no aparelho respiratório que uma das cinco maiores cantoras do País ainda vivas teve há poucos dias e a fez cancelar shows da Virada Paulista.
Gal Costa está rouca, e daí? Se fosse qualquer uma dessas jovens mocinhas que cantam como se virgens ainda fossem, não preciso nem citar nomes, seria grave. A carreira delas ficaria arranhada como a garganta da Gal, que em três anos chega a 70 anos. Mas uma mulher que não precisa mais provar que é excelente pode até ficar doente, mesmo que os ingressos mais baratos do show custassem R$ 100. Vale pagar até mais para ver um mito mostrar-se vulnerável diante de você. Como se descesse do pedestal e dissesse: "Sim, falho". Gal chegou a segurar o pescoço enquanto cantava Minha Voz, Minha Vida, canção onde ela assumiu, de novo, que depende daquele pedaço do corpo para ficar de pé.
Por isso, o show foi, no mínimo, histórico. Ela não conseguiu acertar os agudos na primeira metade do show, e chegou a constranger quanto tentou seguir Divino Maravilhoso. Como os grandes, que se sabem falíveis, foi ao microfone e disse: "Estou rouca, mas mesmo assim vamos fazer um show bonito". Aplausos, claro, e não era de uma plateia sádica. Gal se humanizou diante de nós e ganhou um gesto de amor, de compaixão.
Daí para frente, foi como se uma Força Estranha - que ela defendeu no bis - tomasse conta dela. Lindo também foi ela várias vezes recorrer ao diretor e mentor do espetáculo, além de amigo de 50 anos, Caetano Veloso. Como só os cúmplices conseguem, o cantor e compositor baiano passou, pelo olhar, que, sim, também a perdoava, e não parou de cantar com sua musa. "Caetano tá ali nervoso com minha voz. Imagine eu!", disse para o senhor de cabelos grisalhos à sua frente.
Dito tudo isso, dá para dizer que o show teve, no mínimo, quatro momentos de rasgar o peito em dois. Recanto Escuro, música sobre dignidade, parecia um recado pungente aos que acham que não cairão. Vapor Barato ganhou um arranjo de altíssimo nível amparado pela espetacular atuação do guitarrista Pedro Baby. A já citada Minha Voz, Minha Vida e Autotone Autoerótico onde ela, disparou, a mando de Caetano, frases como "O autotone não basta pra fazer o canto andar/pelos caminhos que levam à grande beleza/americana global, minha voz na panela lá/uma lembrança secreta de plena certeza". E não se fala mais nisso.
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