Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 13/novembro/2010, no caderno "Opinião"
Liberdade ainda que tardia
por Ruy Castro
RIO DE JANEIRO - Meu velho amigo Tárik de Souza — o que ele não conhece de música popular ninguém precisa conhecer — tem uma ideia revolucionária para libertar os acervos de música brasileira dos túmulos a que foram condenados pelas gravadoras. Túmulos sobre os quais elas se sentam e cujo conteúdo desprezam e desconhecem.
A ideia se resume numa palavra: desapropriar. Viria por meio de um decreto-lei, como já se fez muito no Brasil e ainda se faz por aí, motivo pelo qual Tárik a está chamando de "Lei Hugo Chávez". Por esta lei, as gravadoras brasileiras (na verdade, multinacionais instaladas aqui há décadas) entregariam tudo que gravaram de artistas nacionais, de, digamos, 1970 para trás, a um órgão central (como o MIS ou a Funarte), que disponibilizaria os fonogramas para quem quisesse relançá-los.
Não que as multis tenham os fonogramas originais. No seu desinteresse por qualquer música que não vá para as paradas, elas deixaram que coleções inteiras se perdessem. E estas teriam desaparecido de vez se não fossem os pesquisadores, que, por amor, conservaram tudo que se gravou no Brasil desde 1902. O que se quer é que as gravadoras abram mão e liberem -para sempre- o uso desses fonogramas, para serem "baixados", prensados ou o que for por quem tiver uso para eles.
Isso significaria a volta imediata de Pixinguinha, Francisco Alves, Carmen Miranda, Orlando Silva, Ciro Monteiro, Lucio Alves, os Anjos do Inferno e mil outros ao patrimônio nacional, assim como a reabilitação de homens como Alcyr Pires Vermelho, Zé da Zilda, Haroldo Lobo, Haroldo Barbosa, Garoto, Valzinho, Luiz Antonio e muitos mais, autores de tantos sucessos e eles próprios quase desconhecidos.
Essa medida é impensável nos EUA, e sabe por quê? Porque, lá, as gravadoras não se atreveram a deixar a grande música americana fora de circulação.
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