Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 15/maio/2010, na seção "Opinião"
Beleza negra
por Ruy Castro
RIO DE JANEIRO - Lena Horne, que morreu nesta semana aos 92 anos, em Nova York, era uma das últimas cantoras americanas da era clássica — ou seja, das que se vestiam na modista, não no brechó. Era negra, belíssima e sua trajetória diz muito da sociedade americana de seu tempo.
Os obituários falaram de como suas sequências nos musicais da MGM, nos anos 40, eram montadas de forma a poderem ser cortadas sem prejuízo do enredo pelos exibidores racistas. Para isso, bastava que não fizessem parte do enredo. Lena fazia sempre uma cantora de boate, apresentando-se para o casalzinho de protagonistas.
Não que os racistas não gostassem de artistas negros — desde que eles fossem cômicos ou caricaturais. E não havia nada de cômico ou caricatural em Lena Horne. Ao contrário, sua beleza os assustava, além de revelar a baranguice de suas patroas — quantos teriam em casa uma mulher como ela?
Com tudo isso, não acho que Lena tenha sido vítima de racismo ao ser preterida para o papel de Julie na refilmagem de "Show Boat" ("O Barco das Ilusões", 1951). Para Edna Ferber, autora da história, Julie era uma mulher ostensivamente branca que, por ter "uma gota" de sangue negro, era considerada negra. Lena tinha a pele muito clara para o mundo negro, mas seria sempre negra para o mundo branco. Ava Gardner, que ganhou o papel, teria sido uma Julie perfeita se não a tivessem maquiado para escurecê-la, contrariando Edna.
Mais grave é saber que a loura Betty Grable, musa dos soldados americanos, não podia ter sua foto colada no armário ou na mochila dos soldados negros na 2ª Guerra — ou seja, nem em pensamento eles poderiam desejar uma mulher branca. Por sorte, esses soldados não precisavam de Betty Grable. Tinham a foto de Lena Horne, muito melhor, para os inspirar.
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