segunda-feira, 24 de maio de 2010

Som pior...

Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 24/maio/2010, no caderno "The New York Times"

Na era da música móvel, a qualidade do som decai
por Joseph Plambeck

Um iPod não é para audiófilos, mas seus fãs não se importam

Na madura idade de 28 anos, Jon Zimmer é uma espécie de velho cheio de manias. Isto é, ele é obcecado pela qualidade do som de sua música.

Um ex-engenheiro de áudio que hoje trabalha como consultor para a Stereo Exchange, uma requintada loja de som em Manhattan, Zimmer se ilumina quando fala sobre alta-fidelidade e alto-falantes de US$ 10 mil.

Mas os iPods e os arquivos comprimidos em computador -os veículos mais populares para o som hoje- estão "sugando a vida da música", ele diz.

A última década trouxe uma explosão em avanços tecnológicos surpreendentes — incluindo aperfeiçoamentos no som surround, a televisão de alta definição e o 3D —, que transformaram a experiência dos apreciadores. Há avanços na qualidade da mídia em todo lugar, exceto na música.

De muitas maneiras, a qualidade do que as pessoas escutam deu um passo atrás. Para muitos ouvidos experientes, os arquivos de música comprimidos produzem um som mais quebradiço, metálico e fino do que a música dos CDs e dos LPs de vinil.

De certo modo, a indústria da música foi vítima de seu próprio sucesso tecnológico: a facilidade de carregar canções em um computador ou um iPod fez que uma geração de fãs trocasse alegremente a fidelidade pela portabilidade e a conveniência. Esse é o obstáculo que a indústria enfrenta em qualquer esforço para criar maneiras de ouvir música com maior qualidade -e mais cara.

"Há muitas formas de fazer" um som melhor, disse Zimmer. "Mas muita gente nem sequer sabe que poderia se interessar."

Veja Thomas Pinales, um jovem de 22 anos de Nova York e fã de alguns dos artistas mais populares de hoje, como Lady Gaga, Jay-Z e Lil Wayne. Ele escuta música em seu iPod e, embora não se importe em fazer um avanço qualitativo, não está convencido de que valeria o preço.

"Meus ouvidos não são finamente sintonizados", ele disse. "Não sei se poderia realmente perceber a diferença."

A mudança é tanto cultural quanto tecnológica. Durante décadas, aproximadamente a partir dos anos 1950, um sistema estereofônico de ponta era algo para se exibir, mais ou menos como uma nova televisão de tela plana hoje.

Atualmente, a música é muitas vezes transportada de um lugar para outro, tocada ao fundo enquanto o consumidor faz outra coisa, como exercitar-se, transitar pela cidade ou cozinhar.

Na verdade, entre os ouvintes mais jovens a baixa qualidade do som pode até ser preferível.

Jonathan Berger, professor de música na Universidade Stanford, disse que fez uma pesquisa informal entre seus alunos e descobriu que um número crescente preferia o som de arquivos com menos dados às gravações de alta-fidelidade.

"Eu acho que os ouvidos humanos são volúveis. O que é considerado um som bom ou ruim muda com o tempo", disse Berger. "A anormalidade pode se tornar uma atração."

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Música popular escada abaixo...

MÚSICA
Lista das mais tocadas consagra a canção simplória

Nova MPB e grupos jovens de rock perdem lugar para sertanejo moderno e pop digerível no levantamento das músicas mais executadas nas rádios brasileiras

por Thales de Menezes, da Reportagem Local

Depois de uma rápida olhada na lista das músicas mais executadas nas rádios do país, a constatação é inevitável: o gosto popular se afastou completamente do que a MPB produz de mais interessante e sofisticado.

Uma relação que teve em outras épocas "Olhos nos Olhos", de Chico Buarque, ou "Bem que se Quis", de Marisa Monte, fica hoje limitada a canções comportadas, anódinas, simplórias.

Trata-se da lista considerada a mais confiável no gênero, feita pelo Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), que recolhe direitos autorais no Brasil. Engloba rádios AM e FM e abrange de janeiro a dezembro de 2009.

Entre as dez mais bem colocadas há apenas duas músicas de artistas estrangeiros, uma delas a campeã, "Halo", de Beyoncé. Com fenômeno de massa não se discute.

Outros 12 países também tiveram a música no topo das paradas. Pop eficientíssimo, de receita comprovada, feito para conquistar territórios sem se preocupar com as "vítimas".

A outra gringa da lista também segue uma cartilha redondinha: é "I'm Yours", de Jason Mraz, a bola da vez do surf pop, o estilo calminho e "pra cima" liderado por Jack Johnson.

Nas canções nativas, o sertanejo moderno predomina. Victor e Leo, puxados pela boa-pinta e por uma música na trilha de novela no ano anterior, emplacaram duas: a romântica "Borboletas" e a louvação à vida rural "Deus e Eu no Sertão".

Cheios de boas intenções, mas versos como "Foi tudo tão bonito, mas voou pro infinito/ Parecido com borboletas num jardim" entregam a escassez de recursos líricos.

Já João Bosco e Vinicius (nomes que involuntariamente evocam uma fase mais brilhante da MPB) são poeticamente tão "simples" que até uma vírgula falta no título da canção "Chora Me Chama".

Não se pode dizer que Nando Reis e Samuel Rosa não tenham os predicados para grandes composições. "Sutilmente", do Skank, é uma reserva de qualidade na lista.

Mas é triste que tanto ela como "Vem Andar Comigo", que é mais do mesmo Jota Quest, sinalizem um pop rock comportado, digerível. Onde estão as músicas dos grupos mais endeusados pela molecada?

NX Zero e Fresno fecharam o ano com milhares de fã-clubes, mas eles definitivamente não estão sentados esperando o rádio tocar. Devem estar espertos, baixando e trocando o que querem ouvir, na hora que bem entendem.

A chamada nova MPB, de Vanessas, Céus e Mallus, ganha comentários na mídia, mas nem sonha com um "top 10" assim. A lista é completada com gospel, pop rasteiro e trilha de luau que alguém pode até confundir com reggae de verdade.

A presença de Regis Danese se explica pela fé e só mesmo com muita fé para crer que "Faz um Milagre em Mim" mereça todo esse sucesso.

Já a bonitinha cantora pop Ornella de Santis teve ajuda do cantor Belo (a única e modestíssima menção ao samba) para transformar "Agenda" num hit "chiclete", à Latino.

E, para encerrar de forma sintomática este comentário, sobrou "Versos Simples", do Chimarruts, cujo título sintetiza e condena o atual estágio de nossa parada de sucessos.

sábado, 15 de maio de 2010

R. I. P. beautiful Lena Horne

Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 15/maio/2010, na seção "Opinião"

Beleza negra
por Ruy Castro

RIO DE JANEIRO - Lena Horne, que morreu nesta semana aos 92 anos, em Nova York, era uma das últimas cantoras americanas da era clássica — ou seja, das que se vestiam na modista, não no brechó. Era negra, belíssima e sua trajetória diz muito da sociedade americana de seu tempo.

Os obituários falaram de como suas sequências nos musicais da MGM, nos anos 40, eram montadas de forma a poderem ser cortadas sem prejuízo do enredo pelos exibidores racistas. Para isso, bastava que não fizessem parte do enredo. Lena fazia sempre uma cantora de boate, apresentando-se para o casalzinho de protagonistas.

Não que os racistas não gostassem de artistas negros — desde que eles fossem cômicos ou caricaturais. E não havia nada de cômico ou caricatural em Lena Horne. Ao contrário, sua beleza os assustava, além de revelar a baranguice de suas patroas — quantos teriam em casa uma mulher como ela?

Com tudo isso, não acho que Lena tenha sido vítima de racismo ao ser preterida para o papel de Julie na refilmagem de "Show Boat" ("O Barco das Ilusões", 1951). Para Edna Ferber, autora da história, Julie era uma mulher ostensivamente branca que, por ter "uma gota" de sangue negro, era considerada negra. Lena tinha a pele muito clara para o mundo negro, mas seria sempre negra para o mundo branco. Ava Gardner, que ganhou o papel, teria sido uma Julie perfeita se não a tivessem maquiado para escurecê-la, contrariando Edna.

Mais grave é saber que a loura Betty Grable, musa dos soldados americanos, não podia ter sua foto colada no armário ou na mochila dos soldados negros na 2ª Guerra — ou seja, nem em pensamento eles poderiam desejar uma mulher branca. Por sorte, esses soldados não precisavam de Betty Grable. Tinham a foto de Lena Horne, muito melhor, para os inspirar.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Onde estão os novos pianistas?

Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 12/maio/2010, na seção "Opinião"

País sem pianos
por Ruy Castro

RIO DE JANEIRO - Notícia desta semana alerta para um fato preocupante: a queda a quase zero no interesse pelo piano entre os jovens brasileiros. Em vários Estados, concursos importantes, destinados a formar futuros solistas, deparam com um número insignificante de inscrições. E não se trata de desinteresse pela música -porque outros instrumentos, talvez mais imediatos, continuam prestigiados.

O Brasil e o piano têm uma bela história juntos. Os dois conquistaram seu espaço quase ao mesmo tempo no século 19: o piano, sobre o cravo; o Brasil, sobre a sua condição de colônia. O próprio príncipe dom Pedro era pianista. Em pouco tempo, o piano tornou-se um móvel obrigatório nas nossas casas, tanto quanto o toucador e a escarradeira. Permitiu também que muitos escravos, que o aprenderam, levassem vida melhor.

Desde então, num país em que o violão sempre pareceu onipresente, a grande música, do ponto de vista do compositor, passou decisivamente pelo piano. É só citar Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, Freire Junior, Zequinha de Abreu, Sinhô, Ary Barroso, Custodio Mesquita, Alcyr Pires Vermelho, Vadico, Johnny Alf, Tom Jobim, Marcos Valle, Francis Hime, Edu Lobo, João Donato. E os arranjadores, os solistas, os acompanhadores?

Um motivo para o declínio do piano nas casas brasileiras pode ter sido a verticalização das cidades -não é fácil transportar um piano para o 10º andar. Outro pode estar no fato de que leva mais tempo para formar um pianista do que um médico ou engenheiro, sem nenhuma garantia de que um dia ele possa viver das pretinhas. Mas todo estudante de piano precisa chegar a profissional? A educação musical, por si, não deveria ser suficiente?

Tom Jobim me disse que o piano fez o homem acabar de descer da árvore. Mas talvez a árvore seja o nosso destino.