terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Sinatra no Brasil, 30 anos atrás

Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 26/janeiro/2010, no caderno "Ilustrada"

A primeira vez
por Ruy Castro, Colunista da Folha

Há 30 anos, apresentação de Frank Sinatra no Maracanã desafiou limitações técnicas e estrutura precária para colocar o Brasil na rota dos grandes shows

Foi a primeira vez que um megastar internacional precisou de um estádio de futebol para se apresentar para uma plateia brasileira: Frank Sinatra (1915-1998), para 175 mil pessoas, no Maracanã, em 26 de janeiro de 1980 —há 30 anos.

Foi também mágico: a platéia ficou extática quando, às 21h em ponto, Sinatra, 64, pisou o palco erguido no gramado e começou a cantar "I've Got the World on a String", "I've Got You Under My Skin", "The Lady Is a Tramp". E só despertou do transe às 22h15, quando, 20 clássicos depois, ele se curvou pela última vez para o maior público de sua carreira, desceu a longa passarela e sumiu de volta pelos camarins.

Durante os 75 minutos de show, ninguém na multidão podia avaliar o que custara pôr de pé um espetáculo como aquele num país sem know-how no gênero — porque Sinatra e sua música engoliam o Maracanã, a arquibancada e cada um ali. E, no entanto, se algo desse errado, o Brasil talvez fosse riscado para sempre do roteiro dos grandes shows que começavam a tomar os estádios na Europa e nos EUA. Mas tudo deu certo.

Foi uma vitória do empresário carioca Roberto Medina, pai da ideia de trazê-lo e futuro criador do Rock in Rio. Ali abriu-se o caminho para as futuras atrações do Maracanã e de outros estádios brasileiros: Paul McCartney, os Rolling Stones, Madonna.

Até então, uma coisa era o Maracanã receber o papa João Paulo 2º ou o pastor evangélico Billy Graham, promover a chegada anual do Papai Noel ou abrigar regularmente um Flamengo x Vasco para 150 mil pessoas. Outra era servir de palco para o cantor mais exigente do mundo.

A voz

Ao contrário deles, Sinatra precisaria de um minucioso e complexo projeto de som para que sua voz, emoldurada pela orquestra de 40 figuras regida por Vinnie Falcone, chegasse ao mesmo tempo e com os mesmos volume, timbre e clareza em todos os pontos do estádio.

É preciso lembrar que Sinatra era um cantor — não um performer que compensasse a pouca voz com rebolados, canhões de luz ou fumaça e anarquia sonora. Cantores existem para ser ouvidos.

Para isso, a Artplan Publicidade, empresa de Medina, e a Sinatra Enterprises contrataram a A-1 Audio, firma de Los Angeles especializada em montar sistemas de som em grandes espaços. O convite à A-1 foi feito em novembro de 1979; o show seria em janeiro de 1980. Ou seja, habituados a trabalhar com prazos de seis meses a um ano, eles teriam menos de dois meses para vir ao Rio, conhecer o estádio, criar o projeto, escalar os engenheiros e desenhistas, escolher o equipamento, transportá-lo e, sem ninguém que falasse português, montá-lo com mão de obra brasileira.

A Artplan lhes providenciou intérpretes, mas estes, fluentes em praia, feijoada e Carnaval, não eram doutores em eletrônica. E tudo isso torcendo para que a chuva, abundante no período, não castigasse muito o Rio naquele verão.

Quando o equipamento chegou — 25 toneladas de aparelhos em oito contêineres de 12 m³, lotando um Boeing 747 de carga da PanAm —, várias surpresas. Em vez de rampas e guindastes para içá-los, a força bruta e mal paga dos estivadores cariocas; no lugar de grandes caminhões fechados e acolchoados para transportar a preciosa tralha, do Galeão ao estádio, pelas ruas da cidade, uma pequena frota de caminhões abertos, sujeitos a pó, choques e roubo; faltando sete dias para o show, o palco — uma estrutura a céu aberto, em forma de estrela, bem no grande círculo — ainda não estava pronto; e, sem ele, não havia como montar o som.

Não me pergunte como, mas eles conseguiram. Para alguns, foi uma das maiores façanhas da engenharia sonora na história. Só faltava superar um obstáculo: a chuva — que caiu, mansa, mas constante, durante todo o dia do show. Por causa dela, não houve passagem de som — os técnicos não queriam molhar os microfones, nem os 20 violinistas, expor os seus Stradivarius. O carioca ignorara a chuva e fora para o Maracanã do mesmo jeito, sem saber que, se a água não desse uma trégua até as 21h, não haveria show. Pois, às 20h53, os organizadores decidiram que essa trégua se dera e o show aconteceria. Faltando apenas sete minutos, toda uma estrutura foi posta para funcionar.

Sinatra adentrou o palco, olhou para cima e disse: "Meu Deus". Na arquiba, eu também.

----------

Em 1981, Sinatra cantou para poucos em São Paulo
por Thiago Ney, da Reportagem Local

Cantor se apresentou para apenas 700 pessoas em teatro do hotel Maksoud Plaza

A série de quatro shows foi o evento do ano na capital paulista; além do show, a plateia jantou e ganhou um catálogo com um compacto

Se em 1980 Frank Sinatra precisou do Maracanã para cantar "I've Got You Under My Skin", em agosto de 1981 ele acomodou sua voz no minúsculo teatro do Maksoud Plaza — hoje decadente, mas à época o mais elegante hotel de São Paulo.

Entre 13 e 16 de agosto daquele ano, Sinatra se apresentou para uma plateia de apenas 700 pessoas por noite. Ver Sinatra tão de perto fez dessa série de shows o evento do ano em São Paulo.

Bruna Lombardi e Regina Duarte estavam lá. Jorginho Guinle "fez-se acompanhar de um grupo de mulheres lindas", testemunha o jornal do dia.

"Estava grávida [de João, seu terceiro filho] de oito meses e, por isso, antes do final do show fiquei cansada. Fui embora antes de acabar, o que lamento muito", lembra Regina Duarte.

Nas quatro noites, Sinatra subiu ao pequeno palco às 23h. Porque às 21h iniciava-se o jantar, preparado por Roger Vergé. Do extenso cardápio, lia-se:"Lagosta cozida com pouco sal; fundo de alcachofra com creme sofisticadamente rosado e gostoso; filé mignon com molho repleto de azeitonas sem caroço e alguns cogumelos; doce recheado de chantilly (tipo mil folhas)".

Além de ouvir — e ver bem de perto — Frank Sinatra, a plateia levou para casa uma gravura de Wesley Duke Lee, um catálogo ilustrado e um compacto com as faixas "New York, New York" e "That's What God Looks Like to Me".

"Ainda tenho o convite guardado", conta o advogado Marcos Aurélio Ribeiro, que esteve no primeiro dos shows. "Era uma noite fria de agosto, então os homens estavam todos de terno e as mulheres, de casaco e vestidos longos."

Vestido longo

"O Maksoud era um hotel fantástico na época, então assistir ao Frank Sinatra ali era um acontecimento de gala", relembra a advogada Jane Monachesi. "Só se falava no show e na dificuldade de comprar os ingressos. Porque, além de caros, eram poucos. Durante o show, o Frank Sinatra estava brincalhão, descontraído, parecia que ele estava cantando na sua casa. A formalidade foi quebrada quando o show começou."

"Contei, entre os carros que chegavam, mais de duas dúzias de Mercedes, um BMW e um Cadillac Supreme. Ah, sim, um Mustang 69", escreveu, sobre a primeira noite, Mino Carta na Ilustrada de 16 de agosto de 81.

Comandada pelo maestro Vincent Falcone, a pequena orquestra acompanhou Sinatra em canções que não poderiam faltar, como "Strangers in the Night", "I've Got You Under My Skin" e "My Kind of Town", entre outras, durante os 75 minutos de apresentação.

Logo após a série de shows, Sinatra pegou um helicóptero para o aeroporto.

Ali, no teatro do Maksoud Plaza, foi a última vez que o Brasil ouviu Frank Sinatra.

Nenhum comentário: