segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Blogs musicais ameaçados

Texto publicado no "JBonline", página "Cultura" de 4/outubro/2009, fonte: http://jbonline.terra.com.br/pextra/2009/10/04/e041011198.asp

Google persegue blogs brasileiros
por Luiz Felipe Reis, Jornal do Brasil

RIO - Ferramenta popular para distribuição de arquivos musicais pela internet, os blogs de mp3 — sites que listam links através dos quais pode-se fazer o download de discos novos e antigos — estão, mais do que nunca, na mira da indústria fonográfica. E o Brasil não é exceção.

Um dos endereços brasileiros mais conhecidos, o Umquetenha (que funcionava em http://umquetenha.blogspot.com/) foi, há pouco mais de um mês, sumariamente retirado do ar pelo Google (que controla os blogs hospedados pela empresa Blogger.com). O que não impediu que os internautas tivessem acesso aos mais de 4.500 discos (todos de música brasileira) que o blog disponibilizava.

Com o fim do endereço original, o administrador do material resolveu transferir todo o seu acervo digital para outro servidor; enquanto reposicionava o seu conteúdo na web, o dono do Umquetenha passou a postar seus links via Twitter (twitter.com/umquetenha).

— O que o UQT faz não é pirataria — defende o criador do site, que prefere manter-se anônimo e só comunica-se por email, sob o pseudônimo Fulano Sicrano. — Não existe no Umquetenha uma única forma de remuneração envolvida, nenhum ganho direto ou indireto. Logo, não há motivo para perseguição ou punição.

Legislação dos EUA

Na atual guerra de ameaças e medidas jurídicas contra os internautas que baixam mp3, o blogueiro (que chegou a ter mais de 20 mil acessos diários em sua página) não vê muita esperança para quem defende a proibição da prática.

— Eu não conheço o aparato tecnológico ou procedimento que será usado para impedir que um determinado usuário acesse a internet. Mas me parece ser uma grande bobagem. Pode dificultar, mas duvido que impeça.

O administrador do Umquetenha foi obrigado a tirar o site do ar depois de receber uma notificação dos administradores da rede Blogger. A nota avisava que o blog havia recebido uma queixa de que estaria violando a DMCA, norma da indústria americana que regulamenta os direitos autorais (mesmo que o site só contasse com artistas brasileiros).

Caso semelhante ocorreu no ano passado com o blog Som Barato, também especializado em discos brasileiros — em sua maioria, raridades fora de catálogo — que teve os links para mais de 2 mil títulos deletados pelo Google.

Aos poucos, começam a aparecer no Brasil iniciativas da indústria fonográfica semelhantes às que já ocorrem nos EUA e Europa há tempos. No exterior, empresas de controle de direitos e segurança virtual como a Web Sheriff — uma das mais ativas e odiadas pelos baixadores de mp3 — passaram a ser contratadas por grandes artistas internacionais.

À frente dos interesses de selos e artistas como Prince, Arctic Monkeys, Franz Ferdinand, The Prodigy, Van Morrison, Bryan Adams, Black Crowes e Placebo, a empresa vasculha a rede para eliminar possíveis vazamentos de álbuns antes do lançamento oficial.

No Brasil, a Associação Anti-Pirataria Cinema e Música (APCM) também estende seus tentáculos. A entidade, que representa os braços operacionais de combate à falsificação da indústria fonográfica (ABPD) e da indústria de cinema e vídeo (MPA), retirou do ar, no início do ano, a comunidade Discografias, uma das mais acessadas pelos usuários do site de relacionamentos Orkut.

A associação, vinculada aos interesses de gravadoras e de produtoras de cinema, também eliminou sites dedicado a compartilhar filmes e seriados, como o IsLifeCorp. Em balanço que revela sua ações na rede, divulgado em 24 de setembro, a APCM indica que, na última quinzena daquele mês, solicitou a retirada do ar de 33.558 links estes encontrados em blogs, redes sociais, fóruns e sites. Também foram removidos 3.965 arquivos torrents — gerados para facilitar o compartilhamento através de rede P2P.

O administrador do Umquetenha prefere olhar a questão pelo lado dos artistas, e não o das companhias.

— O artista tem de usar todos os canais possíveis de divulgação. No caso do Umquetenha é de graça, como é na maioria dos blogs musicais que eu conheço. Os blogs têm a capacidade de equilibrar as oportunidades, aumentando as chances de reconhecimento daqueles que não têm muito dinheiro.

Liminha: “Música de graça é utopia”

Contrário aos sites e blogs que disponibilizam música sem autorização legal, o produtor Liminha defende que o acesso livre ao mp3 é pernicioso mesmo para artistas mundialmente estabelecidos.
— Quando se fala em download ilegal, as pessoas pensam, num primeiro plano, nos danos causados à gravadora. Mas na verdade, devemos olhar para o começo da cadeia: o compositor, o intérprete e o músico — alerta o produtor. — É um preço muito alto.

Apesar de a maior parte dos artistas independentes usar a internet para a divulgação de suas músicas, Liminha — um dos produtores mais consagrados da MPB e do pop brasileiro, tendo trabalhado com Gilberto Gil, Kid Abelha, Paralamas do Sucesso e Titãs — acredita que o panorama se torna ainda mais perigoso para o estabelecimento de jovens talentos.

— O cantor oferece a música de graça e depois vai fazer o show de graça. É muita gente trabalhando sem ganhar nada. Isso é uma utopia, só piora a situação da música. É preciso ter um mínimo de remuneração.

O produtor lembra que, mesmo com os avanços da tecnologia digital e da evolução dos softwares “caseiros” para a produção musical, o custo para a produção de um álbum ainda é muito elevado.
— Muita gente já não consegue viver só de música — diz. — É uma questão para ser resolvida de forma ampla. Poderiam criar um imposto artístico. Ou mesmo os provedores de internet, fabricantes de computadores podiam criar um fundo para ser distribuído entre as pessoas que produzem música.

Liminha ressalta que o preço cobrado por um álbum digital, muitas vezes próximo ao valor estipulado pelo produto físico, é um entrave ao comércio musical online.

— Nisso as gravadoras estão erradas. Não existe motivo para que o download custe o mesmo preço de um CD, que é transportado fisicamente, com um imposto sobre ele. Acho o preço do download exagerado.

* Taís Toti

Miranda: “Grátis é mais prazeroso”

Produtor musical, ex-diretor artístico de gravadoras (Banguela, Excelente, Trama) e hoje jurado do programa Qual é o seu talento? (SBT) Carlos Eduardo Miranda acha que a discussão sobre download de músicas não é mais necessária.

— O download já é algo consolidado, todo mundo já sabe como funciona. Quem quer comprar, compra, quem quer pagar, paga, quem quiser pegar de graça pega, é opção do usuário.

Miranda acredita que não há como controlar o compartilhamento de arquivos pela rede, e que em vez de impedir o download gratuito e ilegal, as gravadoras deveriam tornar mais prático e atrativo o comércio de música online.

— As pessoas vão se dispor a pagar quando valer a pena. Hoje é mais fácil, prazeroso e enriquecedor baixar de graça do que pagando. Vá a um blog de mp3 por exemplo, e lá você encontra grandes discos, comentários sobre eles, artistas novos. Isso instiga a descobrir novas músicas. Se você vai numa loja de mp3, vai ser conduzido para obviedades. Não há nada de interessante, de novo, e ainda é mais demorado. No blog é um clique e pronto.

O aumento dos downloads ilegais, na opinião do produtor, é culpa dos próprios artistas, que sempre afirmaram que “eram roubados pelas gravadoras e que a venda de discos não era lucrativa para eles”.

— Quando o artista fala isso publicamente não pode esperar que o público vai agir diferente. O fã vai pensar: “se o artista não ganha nada com isso, então está liberado roubar”.

Só que agora, lembra o produtor, é preciso entender que quem perde com o download gratuito não é só a gravadora, mas também o artista.

— É preciso conscientizar o público que pegar de graça foi algo importante, revolucionário. Mas agora é algo retrógrado, que vai contra o artista e contra o que ele gosta. (Taís Toti)

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