sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Obesidade musical

Texto publicado no jornal "O Estado de S.Paulo", de 4/novembro/2011, caderno "Nacional"

Música, tecnologia e bananas
por Nelson Motta

Já vai longe o tempo em que a música popular ambicionava, e tinha, uma certa transcendência. Quando marcava e comentava momentos históricos e sociais importantes, era a trilha sonora de um mundo em transformação. Na era digital tudo mudou, a música se banalizou, está em toda parte, a todo momento, acessível a todos.

Hoje, todo mundo pode até fazer música, mesmo sem saber música. Com programas como o Garage Band qualquer um faz uma orquestração com cordas, metais, palhetas e percussões, com incontáveis ritmos e timbres e múltiplas escolhas de fraseados, tudo pré-gravado e programado para se harmonizar entre si. Nada garante que saiam bons arranjos, mas não ficam longe do que se ouve na música comercial de hoje...

No fim do século 20, David Bowie previa que, no futuro, o comércio de música digital seria como a energia elétrica, o gás, e a TV a cabo. O cliente teria uma assinatura e pagaria pelo seu consumo mensal. A música seria uma commodity, vendida a preço de banana. Tantos watts de eletricidade, tantos canais de TV, tantos quilos? Litros? Metros? Bites? de música.

Hoje, além de novos modelos de negócio que florescem em países com a cultura de pagar pelo que se consome, a comercialização globalizada de música, legal e pirata, acabou com o que restava das antigas ilusões de relevância, transcendência e glamour da música popular, que a velha indústria do disco desenvolveu, e sugou, à exaustão. A vulgaridade se tornou um valor indispensável ao sucesso de massa. Em compensação fazer e consumir arte musical se tornou mais fácil e acessível, bastam talento e um laptop. Há gosto para tudo.

Hoje, a música popular, a melhor e a pior, se tornou irreversivelmente banal, como uma banana. O contraponto da 'bananização' da música gravada é a valorização da música ao vivo, quando se cria entre o artista e o público uma relação pessoal e intransferível, muito além do contato virtual.

Há 20 anos, Caetano Veloso falava sobre fazer, ou não, novas músicas e dizia que já havia música demais em toda parte. E eu concordava com ele. Imagine agora.

Mas, afinal, para que serve a música?

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