Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo", de 21/janeiro/2012, seção "Opinião"
Explosiva, ela privilegiava a emoção, na vida e na música
por Carlos Calado, colaboração para a Folha
Na cena da música popular norte-americana, Etta James foi uma das cantoras que melhor expressaram, na década de 60, a dualidade poética e política da soul music.
Em canções repletas de referências a frustrações amorosas, esse gênero musical embutia também o desejo do negro de possuir os mesmos direitos dos outros cidadãos.
Ela colocava suas emoções à frente de tudo, tanto nos palcos como na vida. Era uma mulher extremada, capaz de revelar amor ou ódio com a mesma intensidade.
Cantava como falava: sabia ser suave, mas ficou conhecida pelas explosões, fossem de raiva, ressentimento ou sensualidade.
Quando esteve pela primeira vez no Brasil, em 1978, deu um show de excessos. Usando roupas espalhafatosas e um cabelão "black power", chocou parte da plateia com insinuações sexuais e gestos obscenos, mais apropriados a uma estrela junkie do rock.
Na década seguinte, surpreendeu de novo os fãs paulistanos. Já próxima dos 50, mais sóbria, entrou no palco como uma "lady", com joias e os cabelos alisados, mesmo deixando claro, logo depois, que não abandonara a atitude intensa e provocadora.
"Sou esquizofrênica até os ossos", diria ao escritor David Ritz, que assinou com ela a autobiografia "Rage to Survive" (algo como "avidez por sobreviver"), publicada em 1995. "Tive duas mães, duas infâncias e vivi duas vidas diferentes, em duas cidades. Talvez por isso tenha me tornado duas pessoas diferentes", completa.
Jamesetta Hawkins foi criada pelos tios. Sua mãe, que engravidou aos 14 anos, demorou a revelar à filha a identidade de seu pai.
"Eu a via como uma deusa distante, uma estrela que eu não podia tocar, não podia entender, nem mesmo chamar de mãe", contou a cantora, expondo uma de suas feridas mais profundas.
Juntando a isso seu precoce ingresso no "showbiz", seguido pelo envolvimento com drogas pesadas, pode-se entender o explosivo contexto de suas interpretações para sucessos como "Tell Mama", "I'd Rather Go Blind" ou "All I Could Do Was Cry".
Pena que a romântica balada "At Last", um de seus maiores hits, tenha sido pivô de um episódio constrangedor, já nos seus últimos anos.
Etta não perdoou o fato de Beyoncé, que a interpretou no filme "Cadillac Records" (2008), ter sido convidada a cantar a música em festa que comemorou a posse do presidente Obama, em 2009.
"Ninguém vai roubar essa canção de mim. Ela é minha", desabafou ao se apresentar no Jazz Fest de Nova Orleans, assim como faria em outras aparições naquele ano.
Uma intérprete de sua importância não precisaria ter escancarado publicamente esse ressentimento. Mas a impulsiva Etta James preferiu dar voz às suas emoções até o final da vida.
sábado, 21 de janeiro de 2012
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