Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo", de 11/outubro/2011, caderno "Ilustrada"
Bennett remoça jazz com Gaga, Amy e cia.
por Ronaldo Evangelista, colaboração para a Folha
Clássico "Body and Soul" foi a última gravação de Winehouse
"Duets 2" já entrou nas paradas de EUA e Reino Unido; Norah Jones e k.d. lang reforçam escalação de parceiros
Seria um simples disco de duetos, como o volume que lançou em 2006, com Tony Bennett — então com 80 anos, hoje com 85 — cantando um repertório clássico com novos parceiros, como Lady Gaga, Norah Jones e Mariah Carey. Mas o recém-lançado "Duets 2", que já lidera paradas americanas e britânicas, ganhou um peso emocional especial.
Notoriamente, deu-se que o encontro de mister Bennett com a jovem Amy Winehouse, para interpretarem juntos versão climática e intensa da música "Body and Soul", foi a última passagem da cantora por um estúdio e sua gravação final, poucos meses antes de morrer.
Assim como no primeiro "Duets", Bennett se encontrou com cada músico para gravar em dupla, pessoalmente, ao vivo. O que significa que o cantor gravou em casa, Nova York, com colegas como Lady Gaga, mas também viajou a lugares como Itália, para encontrar Andrea Bocelli, e Londres, para gravar com Amy.
O encontro humano e a interpretação olho no olho trazem ao disco um calor que cantores de vitalidade especial, como Amy, sabem aproveitam para máxima emoção. Sua performance, entregue como de hábito, e com forte influência de entonações e fraseados jazzísticos, é de estimular os ouvidos, mas de partir o coração.
"Ah, foi muito triste", falou Bennett à Folha, por telefone, sobre a partida da colega. "Ela era uma cantora muito boa, na tradição das grandes cantoras de jazz. E era tão boa quanto qualquer outra que já ouvi. Você pode ouvir isso no disco: se escutar 'Body and Soul' com atenção, pode perceber o quanto ela já sabia o que fazer e como fazer ao começar a cantar."
Desde o começo de sua carreira Bennett, é íntimo do jazz — chegou a gravar em dupla com o pianista Bill Evans nos anos 1970. "Acredito no jazz", comentou ele. "Acho que é um talento maravilhoso, ser capaz de improvisar — porque aí você trabalha para o momento, é algo muito honesto. É uma grande forma de arte. Aliás, o único arrependimento que eu tenho é de nunca ter gravado um dueto com Louis Armstrong."
Definindo-se como um "entertainer", o cantor explicou que a força do repertório que interpreta há cinco décadas sem grandes variações é a beleza das canções e sua qualidade atemporal.
"Nenhum país deu ao mundo tantas canções populares quanto os Estados Unidos", observa. "Todos conhecem e amam as composições de Cole Porter, Johnny Mercer. Essa música nunca vai morrer, ela vai eventualmente se tornar música clássica americana."
DUETS 2
ARTISTA Tony Bennett
GRAVADORA Sony Music
QUANTO R$ 59,90 (CD+DVD)
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ALGUNS PARCEIROS DE TONY BENNETT
AMY WINEHOUSE
"Body and Soul"
LADY GAGA
"The Lady Is a Tramp"
ARETHA FRANKLIN
"How do You Keep the Music Playing"
NORAH JONES
"Speak Low"
MARIAH CAREY
"When do the Bells Ring for Me"
QUEEN LATIFAH
"Who Can I Turn to (When Nobody Needs Me)"
K.D. LANG
"Blue Velvet"
ANDREA BOCELLI
"Stranger in Paradise"
terça-feira, 11 de outubro de 2011
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
A crítica é sempre relativa...
Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo", de 2/outubro/2011, seção "Ombudsman"
IT´S ONLY ROCK´ N´ ROLL (but I like it)
por Suzana Singer, ombudsman@uol.com.br
Elton John "esfriou a plateia", onde "sobraram alguns cinquentões com sorriso no rosto" (Folha) ou o "público vibrou a cada gesto do cantor inglês" ("Estado")?
O show de Mike Patton, vocalista do Faith No More, foi "original e surpreendente" (Folha) ou apenas "uma enxurrada de clichês musicais, num clima de tarantela americanizada" ("Estado")?
O NX Zero merece estar entre as melhores performances (Folha) ou foi um zero à esquerda ("O Globo")?
As divergências acima dizem respeito ao Rock in Rio, que termina hoje. Elas desnudam o grau de subjetividade que existe na crítica musical -até em aspectos empíricos, como a reação do público.
Exemplos assim devem se tornar cada vez mais frequentes. Megashows no Brasil não são mais bissextos, mal termina esta edição do Rock in Rio, que reuniu 100 mil pessoas por noite, começa o SWU, com 12 atrações internacionais de peso.
Está na hora de o país ter uma crítica de rock mais profissional. Não basta jogar às alturas ou aos fogos do inferno. Quem escreve deve levar em consideração os objetivos do artista. "É uma estupidez completa dizer que as letras de axé são ruins. O que esse gênero se propõe é fazer as pessoas pularem Carnaval. E faz. O rock também é um troço simples, mas há espaço para ambições maiores, o duro é cumpri-las. Nesse sentido, o Vanguart é muito pior do que a Ivete Sangalo, porque ela chega aonde se propõe", afirma André Forastieri, 46, do site "R7".
A crítica deve informar, não só opinar. Quem escreve precisa ter repertório, conhecer história do rock e, sonho de consumo, ter uma razoável formação cultural.
"Criticar show não é contar quantas vezes a Rihanna mudou de roupa ou dizer que Claudia Leitte entrou voando. Precisa entender o contexto em que a banda estourou, o porquê daquelas músicas, avaliar a empolgação no palco", diz André Barcinski, 43, que escreve para a Folha.
Todos esses elementos ajudam a diminuir o peso do gosto pessoal, mas não o eliminam. Isenção total não existe. Quanto mais sincero o jornalista, mais ele deixa explícitas as suas idiossincrasias.
"Tem coisas altamente importantes na música pop para as quais a gente torce o nariz. Rock progressivo, por exemplo. Não dá pra desprezar um Genesis, Yes ou Emerson Lake and Palmer", diz o músico e produtor Kid Vinil, 56.
Marcelo Orozco, 44, editor da "Vip", usa como exemplo um jornalista fã do Sex Pistols, que será incapaz de elogiar um show de Dave Matthews Band. "O problema é avaliar um levando em conta os padrões do outro. Os leitores se sentem, com razão, aviltados."
O ideal é que o crítico tenha alguma afinidade com o que vai cobrir, mas não em demasia. Não deve se comportar como fã. "É o desapego que faz com que o cara diga certas verdades, que, se ele tiver uma relação emocional com o tema, vai omitir", assinala Pablo Miyazawa, 33, editor-chefe da "Rolling Stone".
O "desapego" permite ao resenhista ser implacável. No segundo Rock in Rio (1991), Luis Antônio Giron escrevia na Ilustrada que "Prince se deixou acompanhar por uma banda cujo som equivale a 80 Titãs bem-amestrados".
Desde então, muita coisa mudou. Prince e Titãs estão no ocaso e as pessoas não precisam mais da mídia tradicional para conhecer novos artistas: elas têm rádios na internet, sites de música, blogs, jornais especializados, YouTube, redes sociais.
Acabou-se o tempo em que privilegiados tinham acesso à produção estrangeira e traziam as novidades a Pindorama. Só que a quantidade de bandas novas é tamanha que os críticos de jornais e revistas servem de chancela. Eles são uma bússola no oceano pop. Não é o poder de outrora, mas ainda é uma tremenda responsabilidade.
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Suzana Singer é a ombudsman da Folha desde 24 de abril de 2010. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
IT´S ONLY ROCK´ N´ ROLL (but I like it)
por Suzana Singer, ombudsman@uol.com.br
Elton John "esfriou a plateia", onde "sobraram alguns cinquentões com sorriso no rosto" (Folha) ou o "público vibrou a cada gesto do cantor inglês" ("Estado")?
O show de Mike Patton, vocalista do Faith No More, foi "original e surpreendente" (Folha) ou apenas "uma enxurrada de clichês musicais, num clima de tarantela americanizada" ("Estado")?
O NX Zero merece estar entre as melhores performances (Folha) ou foi um zero à esquerda ("O Globo")?
As divergências acima dizem respeito ao Rock in Rio, que termina hoje. Elas desnudam o grau de subjetividade que existe na crítica musical -até em aspectos empíricos, como a reação do público.
Exemplos assim devem se tornar cada vez mais frequentes. Megashows no Brasil não são mais bissextos, mal termina esta edição do Rock in Rio, que reuniu 100 mil pessoas por noite, começa o SWU, com 12 atrações internacionais de peso.
Está na hora de o país ter uma crítica de rock mais profissional. Não basta jogar às alturas ou aos fogos do inferno. Quem escreve deve levar em consideração os objetivos do artista. "É uma estupidez completa dizer que as letras de axé são ruins. O que esse gênero se propõe é fazer as pessoas pularem Carnaval. E faz. O rock também é um troço simples, mas há espaço para ambições maiores, o duro é cumpri-las. Nesse sentido, o Vanguart é muito pior do que a Ivete Sangalo, porque ela chega aonde se propõe", afirma André Forastieri, 46, do site "R7".
A crítica deve informar, não só opinar. Quem escreve precisa ter repertório, conhecer história do rock e, sonho de consumo, ter uma razoável formação cultural.
"Criticar show não é contar quantas vezes a Rihanna mudou de roupa ou dizer que Claudia Leitte entrou voando. Precisa entender o contexto em que a banda estourou, o porquê daquelas músicas, avaliar a empolgação no palco", diz André Barcinski, 43, que escreve para a Folha.
Todos esses elementos ajudam a diminuir o peso do gosto pessoal, mas não o eliminam. Isenção total não existe. Quanto mais sincero o jornalista, mais ele deixa explícitas as suas idiossincrasias.
"Tem coisas altamente importantes na música pop para as quais a gente torce o nariz. Rock progressivo, por exemplo. Não dá pra desprezar um Genesis, Yes ou Emerson Lake and Palmer", diz o músico e produtor Kid Vinil, 56.
Marcelo Orozco, 44, editor da "Vip", usa como exemplo um jornalista fã do Sex Pistols, que será incapaz de elogiar um show de Dave Matthews Band. "O problema é avaliar um levando em conta os padrões do outro. Os leitores se sentem, com razão, aviltados."
O ideal é que o crítico tenha alguma afinidade com o que vai cobrir, mas não em demasia. Não deve se comportar como fã. "É o desapego que faz com que o cara diga certas verdades, que, se ele tiver uma relação emocional com o tema, vai omitir", assinala Pablo Miyazawa, 33, editor-chefe da "Rolling Stone".
O "desapego" permite ao resenhista ser implacável. No segundo Rock in Rio (1991), Luis Antônio Giron escrevia na Ilustrada que "Prince se deixou acompanhar por uma banda cujo som equivale a 80 Titãs bem-amestrados".
Desde então, muita coisa mudou. Prince e Titãs estão no ocaso e as pessoas não precisam mais da mídia tradicional para conhecer novos artistas: elas têm rádios na internet, sites de música, blogs, jornais especializados, YouTube, redes sociais.
Acabou-se o tempo em que privilegiados tinham acesso à produção estrangeira e traziam as novidades a Pindorama. Só que a quantidade de bandas novas é tamanha que os críticos de jornais e revistas servem de chancela. Eles são uma bússola no oceano pop. Não é o poder de outrora, mas ainda é uma tremenda responsabilidade.
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Suzana Singer é a ombudsman da Folha desde 24 de abril de 2010. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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