Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 20/agosto/2010, no caderno "Ilustrada"
Ary de primeira
por Juliana Paz, colaboração para a Folha
Pesquisador reúne primeiras gravações do autor de "Aquarela do Brasil", mas projeto não é lançado por falta de verba
"Meus amigos. Quero deixar às futuras gerações alguma coisa que o tempo não destrua. Muita gente, daqui a muitos anos, irá ouvir falar no compositor popular Ary Barroso. (...) Se o meu objetivo for colimado, estarei perfeitamente tranquilo e compensado."
As palavras, de ninguém menos que Ary Barroso (1903-1964), abriam o LP "Encontro com Ary", de 1955. Mais de meio século depois, o desejo do mineiro de Ubá que se tornou um dos mais importantes ícones da música brasileira ainda vale.
Uma caixa ambiciosa que resgata a obra completa do autor de "Aquarela do Brasil", reunindo em 20 CDs 318 de 323 gravações originais de músicas compostas por Ary -sambas, choros, valsas, foxtrotes, canções- permanece sem perspectivas de chegar ao mercado.
Segundo o responsável pela compilação, o pesquisador e colecionador musical Omar Jubran, 57, nenhuma instituição privada ou órgão público se dispôs a lançá-la.
Jubran, um ex-professor de biologia, levou mais de uma década para reunir as gravações, a maioria originalmente lançada em discos de 78 rotações por minuto, com uma faixa em cada lado. Com o rigor de um cientista, recuperou e remasterizou os fonogramas, sem comprometer a sonoridade da época.
O pacote traz um livro com a letra de cada canção, o intérprete, o ano de lançamento e gravação, o número do disco, além de comentários sobre o teatro de revista. "É uma batalha inglória", diz Jubran. "As pessoas pensam que vai ter que botar uma nota preta. Não sei, mas para grandes empresas não é nada. Para o próprio Ministério da Educação, é dinheiro de pinga."
DESILUSÃO
A seu favor, Jubran tem a caixa "Noel Pela Primeira Vez", lançada há dez anos, em que reuniu em 14 CDs as primeiras gravações do Poeta da Vila (1910-1937).
À época, a compilação saiu graças a um acordo entre a gravadora Velas e a Funarte, e lhe rendeu, além de espaço na mídia, um prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Com tal cartão de visitas, Jubran achou que podia repetir o feito. Enganou-se. "Depois do Noel, veio a desilusão", lamenta.
A esperança chegou em 2002, quando, às vésperas do centenário de nascimento de Ary, foi criada pelo Ministério da Cultura uma comissão para celebrar sua memória. Dela, o pesquisador diz que recebeu apenas um "parabéns" pelo projeto.
"O trabalho do Omar Jubran é fantástico. Deveria ser prestigiado. A caixa tem que sair, é fundamental", afirma Sérgio Cabral, crítico musical e biógrafo de Ary Barroso. Jubran não é tão otimista.
"O Ary Barroso está pronto porque ainda foi no vácuo da ilusão. Agora eu não faço mais nada mesmo, acabou."
(Colaborou João Paulo Gondim, de São Paulo)
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RAIO-X
(de Ary Barroso)
Nasceu em 1903, em Ubá (MG). Político, advogado, criou o "samba-exaltação", em que elogiava o Brasil. Morreu em 1964
Raridades no acervo Entre os achados do pesquisador, estão as seguintes parcerias com ouvintes de rádio "Vou à Penha", 1ª gravação em 78 rpm
"Carne Seca com Tutu"*
PARCEIRA Vilma Quantiere de Azevedo
LANÇAMENTO 1950
"Primavera"*
PARCEIRA Lúcia Alves Catão
LANÇAMENTO 1951
"Cruel Resistência"*
PARCEIRO Irasse Nascimento Silva
LANÇAMENTO 1952
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Pesquisador diz combater "amnésia musical"
por Juliana Paz
Aposentado faz um programa de rádio dedicado à música brasileira
Ex-professor planeja ainda recuperar toda a obra de Lamartine Babo (1904-1963), um de seus três "filhos"
Em sua casa em Pinheiros, Omar Jubran guarda, dentro de uma sala onde a luz do sol entra com dificuldade, uma vasta coleção onde estima ter mais de 15 mil discos.
Na parede, ao lado de cartazes de Charles Chaplin, está uma fotografia em que aparece com Sérgio Cabral, autor de "No Tempo de Ary Barroso".
O fanatismo começou na infância, quando pelo rádio foi apresentado a Orlando Silva e Noel Rosa.
"Eu resolvi ter três filhos: Noel Rosa, Ary Barroso e Lamartine Babo", conta. "Na minha opinião, são os caras mais importantes em termos de pilar: um tripé do qual brotou todo o resto. A bossa nova deve muito aos três, de alguma forma".
Pessimista, Jubran confessa que, de Lamartine, recuperou menos da metade da obra original.
Para a caixa de Ary, conseguiu grande parte dos discos 78 rotações por minuto com a ajuda de colecionadores. Um deles, Brasílio Carvalho, era seu vizinho.
"Ele foi o avô que eu não conheci. Infelizmente, na época em que faleceu, eu não tinha concluído a remasterização", lamenta.
Os cinco títulos que faltam para completar as 323 composições originais de Ary, acredita, foram gravadas, mas não prensadas e distribuídas comercialmente.
Desde 2007 aposentado, o ex-professor hoje se dedica ao combate daquilo que chama de falta de memória musical do país.
Sozinho e sem apoio, ele comanda há quatro anos um programa de música brasileira, transmitido nas manhãs de domingo pela rádio USP.
Jubran tenta recuperar em minibiografias nomes que considera essenciais na música brasileira. Sempre tendo como referência o passado, ele quer que seja veiculado no ensino básico.
"O [produtor cultural] Oswaldo Sargentelli (1925-2002) morreu com esse sonho: que se instalasse nas escolas um curso de MPB. Ele queria que fosse algo agradável, com a historia da nossa música."
Sua preferida é "Aquarela do Brasil". "Não vejo como uma canção ufanista", diz, encantado.
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OPINIÃO
Não há música feita no Brasil sem influência de Ary Barroso
por Ronaldo Evangelista
Ary Barroso é importante por tudo. Nascido em 1903, sua história se confunde com a da música brasileira.
Pianista sofisticado, Ary tocava para acompanhar filmes mudos no cinema Odeon, participava de orquestras que tocavam no Rio e viajavam o país, compunha para o teatro de revista, participava de concursos de canções de Carnaval -e isso tudo antes de entrar para o rádio, quando se tornou realmente famoso, em meados da década de 1930.
Pelas rádios como Mayrink Veiga e Nacional, Ary, que também era autor de novelas, locutor e comentarista esportivo (quando usava uma gaita pra anunciar gols), lançou incontáveis carreiras nos famosos programas de calouros que promovia.
Exigente, só aceitava que executassem música brasileira e literalmente gongava os maus cantores e músicos.
Todas as biografias passam por Ary Barroso: Raul de Souza, Elza Soares, Luiz Gonzaga, Dolores Duran, Jamelão e centenas de outros começaram ali.
Se já teria o nome nas enciclopédias garantido pelo tanto que fez, o lugar no Olimpo Ary garantiu com a sofisticação de suas canções e suas inovações como compositor. A música acima de tudo em sua história.
Não foi apenas o inventor do samba-exaltação, com "Aquarela do Brasil", ou lançador da tendência nacional de cantar a Bahia, com "No Tabuleiro da Baiana" e "Na Baixa do Sapateiro", mas também sucesso internacional com todas elas.
Nascido mineiro, vivendo no Rio de Janeiro, apaixonado pelo Nordeste, juntou suas influências em animadas crônicas da vida carioca, como em "Camisa Amarela", "Morena Boca de Ouro", "É Luxo Só", e belos sambas como "Na Virada da Montanha", "Pra Machucar meu Coração", "Caco Velho", "Risque" e "Folha Morta".
Todo seu cancioneiro na íntegra é um panorama da nossa música: não há o que tenha sido feito desde então que não tenha sentido a influência de Ary Barroso.
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
sábado, 7 de agosto de 2010
O samba de um carioca, num teatro do Leblon...
Texto publicado no jornal "Folha de S.Paulo" de 07/agosto/2010, no caderno "Opinião"
Redescoberta do sambista
por Ruy Castro
RIO DE JANEIRO - Você conhece esses sambas. Só não se lembra do autor, certo?
"Você conhece o pedreiro Valdemar?/ Não conhece?/ Pois eu vou lhe apresentar..." ("O Pedreiro Valdemar"). "Louco/ Pelas ruas ele andava/ O coitado chorava/ Transformou-se até num vagabundo..." ("Louco"). "Etelvina, minha nega/ Acertei no milhar/ Ganhei 500 contos/ Não vou mais trabalhar..." ("Acertei no Milhar").
"Aquele mundo de zinco que é Mangueira/ Desperta com o apito do trem..." ("Mundo de Zinco"). "Quem trabalha é quem tem razão/ Eu digo e não tenho medo de errar/ O bonde São Januário leva mais um operário/ Sou eu que vou trabalhar..." ("O Bonde São Januário"). "Lá vem a mulher que eu gosto/ De braço com o meu amigo/ Ai, meu Deus/ Até parece castigo..." ("A Mulher Que Eu Gosto").
"Hoje não tem ensaio/ Na escola de samba/ O morro está triste, o pandeiro, calado/ Maria da Penha, a porta-bandeira/ Ateou fogo às vestes/ Por causa do namorado..." ("Mãe Solteira"). "Alô, padeiro/ Bom dia/ De amanhã em diante/ Eu vou suspender o pão..." ("Alô, Padeiro"). "Flamengo joga amanhã, eu vou pra lá/ Vai haver mais um baile no Maracanã..." ("Samba Rubro-negro").
"Meu chapéu de lado/ Tamanco arrastando/ Lenço no pescoço/ Navalha no bolso..." ("Lenço no Pescoço"). "Quero uma mulher/ Que saiba lavar e cozinhar/ E que de manhã cedo/ Me acorde na hora de trabalhar..." ("Emilia"). "Cheguei cansado do trabalho/ Logo a vizinha me chamou/ Oh, seu Oscar/ Tá fazendo meia hora/ Que a sua mulher foi embora..." ("Seu Oscar").
De quem são? De Wilson Batista (1913-1968), com parceiros. Outros 30 sambas poderiam ser citados. O Rio está redescobrindo um de seus maiores sambistas, num show de Rodrigo Alzuguir e Claudia Ventura, dedicado a Wilson Batista, num teatro do Leblon. Já era tempo.
Redescoberta do sambista
por Ruy Castro
RIO DE JANEIRO - Você conhece esses sambas. Só não se lembra do autor, certo?
"Você conhece o pedreiro Valdemar?/ Não conhece?/ Pois eu vou lhe apresentar..." ("O Pedreiro Valdemar"). "Louco/ Pelas ruas ele andava/ O coitado chorava/ Transformou-se até num vagabundo..." ("Louco"). "Etelvina, minha nega/ Acertei no milhar/ Ganhei 500 contos/ Não vou mais trabalhar..." ("Acertei no Milhar").
"Aquele mundo de zinco que é Mangueira/ Desperta com o apito do trem..." ("Mundo de Zinco"). "Quem trabalha é quem tem razão/ Eu digo e não tenho medo de errar/ O bonde São Januário leva mais um operário/ Sou eu que vou trabalhar..." ("O Bonde São Januário"). "Lá vem a mulher que eu gosto/ De braço com o meu amigo/ Ai, meu Deus/ Até parece castigo..." ("A Mulher Que Eu Gosto").
"Hoje não tem ensaio/ Na escola de samba/ O morro está triste, o pandeiro, calado/ Maria da Penha, a porta-bandeira/ Ateou fogo às vestes/ Por causa do namorado..." ("Mãe Solteira"). "Alô, padeiro/ Bom dia/ De amanhã em diante/ Eu vou suspender o pão..." ("Alô, Padeiro"). "Flamengo joga amanhã, eu vou pra lá/ Vai haver mais um baile no Maracanã..." ("Samba Rubro-negro").
"Meu chapéu de lado/ Tamanco arrastando/ Lenço no pescoço/ Navalha no bolso..." ("Lenço no Pescoço"). "Quero uma mulher/ Que saiba lavar e cozinhar/ E que de manhã cedo/ Me acorde na hora de trabalhar..." ("Emilia"). "Cheguei cansado do trabalho/ Logo a vizinha me chamou/ Oh, seu Oscar/ Tá fazendo meia hora/ Que a sua mulher foi embora..." ("Seu Oscar").
De quem são? De Wilson Batista (1913-1968), com parceiros. Outros 30 sambas poderiam ser citados. O Rio está redescobrindo um de seus maiores sambistas, num show de Rodrigo Alzuguir e Claudia Ventura, dedicado a Wilson Batista, num teatro do Leblon. Já era tempo.
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